EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

terça-feira, 24 de julho de 2007

a inocência perdida de Nina...


Nina sentia-se cansada. Caminhou até a margem do rio e olhou para sua imagem refletida na água. Os olhos, que antes eram castanhos e vivos, tornaram-se amarelados e tristes. Pela primeira vez sentiu raiva. Sentiu raiva do vento por tê-la abandonado à propria sorte; sentiu raiva do demônio que a mantinha sob sua custódia; sentiu raiva de si mesma por não ter morrido definitivamente na queda. Sentiu raiva do monstro que estava se tornando... Não conseguia lembrar de como era sorrir.
O demônio aproximou-se de seu ouvido e murmurou:
- Não tentes lutar, Nina. O dragão em ti precisa se libertar... Deixe-o vir, pequena Nin...
Antes mesmo que ele terminasse de pronunciar seu nome, Nina virou-se e gritou, fazendo com que o fogo preso em sua garganta atingisse a besta.
Nina assustou-se e recuou, sem acreditar no que acabara de fazer.
O demônio gargalhou alto e encheu de terror a alma da pobre Nina. A satisfação estampada nele era sombria e fazia com que ela sentisse novamente a dor aguda no peito.
- É a tua raiva, criança! A cada instante torna-se tão vil quanto eu!
O animal tomou-a à força e a arrastou para o centro da figura marcada a sangue no solo. Nina gritava e, a cada grito, chamas eram lançadas pela sua boca. Sentiu que o ar faltava. A dor irrompeu o ventre. Não era apenas o peso do corpo sobre o dela, mas o mundo inteiro pesava ali. A saliva do animal ofegante gotejava em sua fronte, enquanto grasnava qual um corvo. Ele acabara de tomar a inocência que ainda restava nela...
- Bem vinda ao inferno, minha doce senhora...


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