EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 27 de setembro de 2009

manifesto contra comitês de concursos literários

Então... (em SP, seja no interior ou na capital, quase toda história começa com "então"...)
Onde estava mesmo? Ah, sim... "Então"...(!!!) Descobri que tudo o que foi postado até hoje nesse bendito blog não pode ser usado em concursos literários (pelo menos na maioria deles). Quem acompanha ou dá uma espiada de vez em quando, deve ter notado que os três últimos posts têm sido diferentes do que esse espaço geralmente apresenta... Na última semana precisei escrever dois contos de um dia para o outro para poder participar de um concurso literário, pois era vedada a inscrição de obras já publicadas (inclusive apenas em blogs pessoais). Até criei um outro pseudônimo - que por sinal gostei bastante. 
Pois é... Se esses textos não são inéditos, Deus sabe o que eles são... Na minha concepção, não seriam inéditos se já tivessem sido publicados por terceiros em algum outro lugar - o que não é o caso. São meus e eu os publiquei (e publico) no meu blog! Então (de novo!), os poemas que tenho rascunhados em meus cadernos, guardanapos, cantinhos de folhas de jornal, e que mostro aos meus amigos, familiares, leio em saraus, também não podem ser considerados inéditos? Acho isso de uma imensa estupidez, porque esses comitês partem do princípio que você precisa escrever e guardar a sete chaves, trancar na caixinha secreta, na agenda de adolescente ou no fundo de uma gaveta qualquer. Isso é insensato.
Todo artista tem um quê de narcisista, de exibicionista, isso está entranhado nele. Se eu pinto e ninguém vê, não sou artista plástica; se escrevo e ninguém lê, não sou escritora. Se amo e não manifesto, não serei amada de volta. 
Nós somos o que mostramos ser. Eu sou isso aqui.


sábado, 26 de setembro de 2009

Vícios

Ando cansada. Há milhares de coisas acontecendo ao mesmo tempo e, mesmo reclamando, não consigo viver sem uma dose diária (e exagerada) de estresse... Sou viciada em estresse (existe estressólatra?).
Bom, o fato é que sinto falta de dormir bem. E dormir bem não significa dormir muito, significa... dormir bem. E ponto. O grande lance é que só consigo dormir bem de verdade quando ele está aqui, quando me coloca para dormir com um cafuné que me nocauteia em menos de um minuto. Zilhões de coisas acontecem antes do bendito cafuné, confesso... Mas aqueles dedos têm algo de mágico, de misterioso, de entorpecente... vai saber... Ele me dopa... 
Acabo de descobrir outro vício: o cafuné... Cafunólatra?


Adoro neologismo...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

amenidades

Uma caneca de café forte, você e um livro. Tudo isso embaixo das cobertas, falando banalidades e esquentando a ponta do meu nariz em você (porque você sabe que a ponta do meu nariz fica gelada e que eu gosto desses dengos).

Ah... me acorda na outra vida?

domingo, 20 de setembro de 2009

boa leitura

"(...)
E assim como serei o mais cruel, estupro consentido, porém sempre violento, serei o mais carinhoso dos seus amantes. Te dizendo as palavras que seus ouvidos sempre mereceram, mas que você procurou em outras bocas. O carrasco e o libertador, divino e profano; todos os papéis havemos de representar no palco dos lençóis porque em nós há uma legião de personagens que querem vida. No entanto, só com você os meus demônios querem contracenar. E no inferno da carne o paraíso da alma reside, pleno por segundos eternos.(...)"


Trecho de "A nossa trilha", de José Rodolfo Klimek Depetris Machado.


Thanks, luv... It's beautiful...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Parede

Eu te vejo aproximar-se de meus pés. Seus pés aproximam-se dos meus. Nossos pés encaram-se. Olho para cima e te vejo gigante. Descalça estou, descalça permaneço. Meu nariz para cima apontado mira na direção do seu queixo. Seu queixo sorri para meu cabelo desalinhado.
Seus pés avançam mais um pouco. Vou recuando. Recuo e encontro a parede. Seus dedos buscam meus pulsos e os erguem acima de minha cabeça. Seus lábios sorriem de um lado só. Não é um sorriso, é um desafio semisorridente.
Você avança e me encurrala na parede. Sinto algo pulsando contra minha barriga. Jogo-me para frente, abusada. Você força mais minhas mãos contra a parede. Mexo os quadris e dou uma risadinha petulante, tentando fazê-lo soltar minhas mãos, ocupando as suas com meus seios. Mas você não me deixa ir. Segura, então, meus dois pulsos com apenas uma mão. Você é forte. Seus dedos livres invadem meus lábios - os do rosto, primeiro - buscando minha língua. Teu corpo me esmaga contra a parede. Teus dedos me abandonam a boca e são substituídos pela tua própria língua, que me lambe rosto, orelha, pescoço, cabelos. O esfregar da sua barriga na minha deixa-me molhada, em prantos entre as coxas. Como chora o sexo, como queima o amor...
Lembro-me da primeira tarde, quando me puseste na mesma posição. Mas agora não me deixas mais escapar, fugir, encenar. Sua mão livre agora levanta meu vestido e puxa para o lado a calcinha que se afogava no meio de minhas pernas. Seus dedos encontram outros lábios. A ponta de seu dedo médio dança com essa pequena pérola encarnada que guardo nessa boca não menos vermelha. Meus joelhos falham, dobram-se, mas você me segura entre suas coxas. Seu dedo me dá pequenos choques e um queimor estranho se desfaz para fora de mim. Não sinto minhas pernas, acho que vou morrer. Teus dedos abandonam-me novamente e seu jeans escorrega pernas abaixo. E agora, livre, você namora meu umbigo, fazendo-o refém daquele desejo seu. Nossas coxas conversam, espremem-se, encolhem-se e se expandem à medida que dançamos. Fotografo teus olhos e tua boca murmurante de lábios rachados.
Teu sexo transpira em meu umbigo, rindo para mim. Levanto tua camisa e encontro teu peito perdido entre pelos e mamilos que cumprimento com minha língua. Teus mamilos respondem, atônitos. Apontam para mim, ousados.
Nossos sexos dialogam entre fluidos monólogos. Encaixes perfeitos, queimor lento e absurdo. Engolem-se. Engulo-te. Coxa levantada, parede maltratada. Uma batida e um suspiro, outra batida e um sussuro. Gemidos. Cadência aumentada. Galope. Caímos. O chão agora é o apoio de tuas costas, e eu, amazona, desfaço-me faceira. Tuas mãos, teus milhares de dedos estão por toda parte. E enquanto incha me acarinhando por dentro, presenteia-me com um colar de dedos a me asfixiar suavemente, derretendo-me inteira da nuca ao ventre, em espasmos encharcados de espuma branca e espessa derramada no fundo da concha venusiana, no centro do mundo, no meio do amor.

Les amants


Trancaram-se no quarto e ele se despiu como se já estivessem ali há eras e não houvesse a necessidade de dizer que sentia sua falta. O desejo era explícito e cada parte de seu corpo nu deixava claro o quanto ele a desejava exatamente naquele instante. Permaneceu vestida, coxas cerradas e peito ofegante. Havia meses desde seu último encontro íntimo no refúgio das escadas. A boca rosada servira-lhe de abrigo naquela noite distante. E após de cada um de seus encontros, ela prometia a si mesma que não tornaria a vê-lo. Mas o brilho em seus pequenos olhos, a ternura em sua voz e as queimaduras que aquela pele causava na sua faziam-na recebê-lo sempre de volta.
Havia outros amantes de quem se servia como bem entendesse. Eram todos livres, arbitrários, loucos. Os outros dois encaixavam-se perfeitamente em sua insanidade e deixavam marcas por seu corpo, marcas de noites inteiras de luxúria e devassidão, marcas que faziam seu corpo estremecer em gozo inúmeras vezes na mesma ocasião. Usavam seus corpos abertamente e eram felizes.
Ele, porém, era diferente dos outros dois. Beijava-lhe ternamente enquanto a penetrava e o único som detectável era o roçar de seus corpos contra os lençois. Sua respiração era silenciosa. Gemidos não existiam. Arfares e grunhidos eram nulos. O gozo era pacífico. Ele era a paz em meio ao tormento sexual que os outros  provocavam. E, por mais estranho que pudesse parecer, ele era o único capaz de fazê-la abandonar tudo, o único capaz de torná-la fiel. Mas ele não queria; ele a desejava mas não a queria. Ela era, então, de todos, mas sabia-se só dele: ela era pertença do único que não a amava.
Despiu-se e recebeu o outro corpo de braços, coxas e alma abertos. Mais uma vez ele a possuiu silenciosamente. Adormeceu com a tranquilidade de uma criança sem pecados e o braço em torno de seu corpo, encaixados como declarados amantes. 
Ela o observava enquanto dormia, murmurando baixo entre os lábios que o amava, beijando suavemente a boca calada e os olhos fechados. Ele parecia tão doce. Sorrateira, retirou-se do enlace do braço e vestiu-se. Revirou a bolsa à procura do telefone móvel. Ligou. Caminhou para o banheiro e encostou a porta.
- Alô?
- Olá... Desculpe ligar agora. Precisava ouvir...
- O que você precisa ouvir, meu anjo?
- Diga-me...
- O quê?
- Diga-me que me ama...
- Eu te amo... muito. Eu realmente te amo, anjo.
- Obrigada... Boa noite. Volte a dormir...
- Beijos...
Despiu-se novamente e voltou a deitar encaixada no molde do outro corpo. Puxou o braço dele para que a cobrisse. 
- Aonde você foi?
- A lugar nenhum. Estou aqui com você...
Adormeceram, despertaram, amaram-se novamente e se despediram. Só não sabiam até quando.

domingo, 13 de setembro de 2009

a pequena felicidade...


Havia um tanto de solidão no silêncio. Mas, às vezes, o barulho dos copos e vozes era vazio e oco como a solidão em si. E na imensidão do azul-laranja, os olhos enchiam-se da água salgada da baía, e as recordações vinham ondulantes, bailarinas petulantes e exibidas aos olhos dos saudosos.
E a memória dos dias felizes desnudava a saudade qual fruta ou doce descascado, reavivando os momentos que haviam passado e permaneceriam, sempre, na pele. E a alma, marcada a fogo pelo outro ser - inteiro - instituía o amor.
O sol do ser ardia a carne e fazia sombra ao imaterial. Era tudo completo e fragmentado, certo e duvidoso: a controvérsia do ser na autoridade do estar. Alegria e cansaço vistos da janela em manhã de domingo. Os filhos que não nasceriam e os que já gritavam em torno da rede. O amor menor.
A dor da partida que coagulava o sangue... a emoção do retorno - mesmo que breve - que aplacava os soluços infantis dos amantes: o brilho vivificado nos olhos com a certeza de um novo recomeço a cada dia.
E a beleza? Esta permaneceria intacta, sempre.

Repostando... texto publicado em 14/06/2008: http://e-agora-jose.blogspot.com/2008_06_01_archive.html


sem título


Reinvento-me
indefectível esfinge
indecifrável mulher
fragmento epitelial
com lágrimas nos olhos,
vestígios de saudade
da vida, do corpo,
da pequena morte,
do verde profundo e náufrago
no mar sem fim do par espelhado.
Reinvento-me
labiríntica
forma coleante
a valsar sob teu peso
teus pelos
teus olhos
tua boca semiaberta.
Reinvento-me,
desfragmento-me,
alimento-me da saliva,
da carne,
da sina,
do sal da pele molhada,
do doce amor liquefeito entre as pernas.
Reinvento-me em ti,
carne em brasa.
Reinvento-me,
partícula de mim,
inteiro descomposto
e moldado do fundo da tua cama
no poço de tua alma,
no sótão de teus sentidos.
Reinvento-me e renasço
de teu gozo,
de teu sexo fecundo,
de tua língua parideira.
Reinvento-me, enfim,
inteira.


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

À mulher triste


Olha-te no espelho, mulher triste
desenha um sorriso em teus lábios
pois tua vulgar mesquinhez
não trará o tempo de volta.
Sorri enquanto o tempo não te cansa
enquanto o tempo não te leva
enquanto a música ainda toca
enquanto o baile não acaba.
Sorri, mulher triste
porque nem tuas palavras ordinárias
farão outros sorrisos apagarem
outras vidas amornarem
outras almas inquietarem
porque tu, mulher triste,
és apenas vento ligeiro
que não perturba a calmaria
dos dias quentes de primavera.

sábado, 5 de setembro de 2009

[ ]


Acho que perdi o meio das coisas, o fio da meada. Onde foi que eu deixei meu entendimento, minha razão?
Começa a meu dar uma sensação estranha, um gosto ruim na boca. É a impressão de que as coisas estão tomando um rumo já conhecido por mim, percorrendo um caminho pelo qual já andei antes. O pior é que "no meio do caminho tinha uma pedra" que me fez mudar a trajetória.

Eu preciso de um GPS...


terça-feira, 1 de setembro de 2009

Paranóia II

Está frio. Os pés afundam na terra orvalhada da noite. O muro verde ficou para trás. As lamúrias do doente da cama ao lado também.

Do lado de fora, as sombras têm outro movimento: o mundo parece menos turvo. Não há mais vozes pedindo para eu me acalmar. Não há mais mãos vestindo-me de louca. Não há mais pílulas coloridas ou verdades inventadas. Não há mais ninguém para aplacar meu fogo, minha fúria, meus rompantes. A mulher das malditas agulhas ficou do lado de dentro do muro. O albino desgraçado que me machucava o meio das pernas também. Ele era mau, muito mau comigo. Odiava quando me arrastava para o quarto branco do castigo. Sabia que ele abriria as calças. Sabia...

Minha asfixia apocalíptica parece conter-se aos poucos. Ainda ando trôpega, ainda estou dopada. Mas tudo começa a fazer sentido. Eles me deixaram fugir para saber onde vou. Aqueles filhos da puta...

Gente começa a surgir. Está escuro. Vejo pessoas juntas, muito juntas, encostadas em árvores, fazendo movimentos frenéticos e repetitivos, tais bichos, arfando e gemendo. As veias do pescoço do homem estão saltadas, não sei se de raiva ou de amor. Não sei a diferença. O cretino gigante albino balbuciava que me amava enquanto me rasgava com aquela porra dura dentro de mim. Eu sei que ele mentia, eu sei que na verdade ele me odiava. Por isso me machucava de todas as formas possíveis, onde pudesse se encaixar. No começo eu lutava, gritava, mas isso alimentava o seu sentimento - qual fosse - e o deixava sorrindo enquanto babava sobre mim. Com o tempo, acostumei-me com a punição e já não esboçava reação, e aquilo o irritava profundamente, fazendo com que me acertasse rosto e cabeça até que eu gritasse ou chorasse novamente. Aí ele dizia "boa menina" e sorria mais forte dentro de mim.

A essa altura o céu começa a ganhar uma cor estranha, uma mistura de roxos, lilases e laranjas. É a hora do dia - ou da noite - onde céu e inferno se misturam. Sempre houve bons que caíram e maus que subiram. E nessas horas em que as cores se confundem os enganos são desfeitos, afinal, Deus e Diabo mantêm relações diplomáticas.

Agora preciso me lavar. Preciso me trocar. Não posso parecer tão doente, tão... louca. Estou bem. Mas a garganta está seca e as mãos tremem absurdamente. O suor salpica meu rosto, minha nuca, escorre pelo meio dos seios. Por um instante, sinto falta das agulhas daquela infeliz. Eu sabia... Foi um plano para que eu voltasse correndo para aquela merda de cama suada e repugnante. Mas não vou voltar. Também não sei onde ir. Preciso me lavar logo. Se me virem com sangue nas mãos, me mandarão de volta. Se eu voltar, eles me matarão. Ou terei sessões ininterruptas com aquele desgraçado. Prefiro morrer.

Se eu morrer, para onde vou? Tenho medo de ser mandada para o lugar errado novamente. Não sei se sou boa ou má. Não matei um homem - entendo que o livrei de toda dor que sentia. E de todo o incômodo que ele me causava. Fiz um bem duplo dentro de minha concepção mundana. Cometi um pecado mortal perante as leis divinas. Mas e o Diabo? O que tem ele a dizer sobre isso?