EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

room 214

Aconteceu no quarto 214. O sol ardia do lado de fora e a vida queimava do lado de dentro - dentro do quarto, dentro da boca, longe do mundo. Corpos emplastrados de loucura. Sal balsâmico a correr pela pele. Piso molhado. Carros na rua. Silêncio ensurdecedor de entrega masoquista e destemperada. Desrazões aladas a rondar as almas sem juízo, sem pudor, sem culpa. Choro contido de gozo. Indecência das horas - morte do tempo. 
Aconteceu no quarto 214.

do esquecimento

Como velhos amantes, disseram coisas intempestivas e se magoaram no meio da tarde de domingo. Como velhos amantes, deixaram dores, ciúme e desejos represados apunhalarem a paz do amor intranquilo de noites acesas, de quereres ferozes sem querer. Rasgaram-se. Cuspiram segredos. Estranharam-se. Reconheceram-se na raiva de amar. Fluidificaram suas angústias. Esqueceram a dor. Amaram-se novamente.

domingo, 30 de janeiro de 2011

quero mais que tudo...




Um Amor Puro
Composição: Djavan


O que há dentro do meu coração
Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer


E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro que ainda nem sabe
A força que tem
é teu e de mais ninguém


Te adoro em tudo, tudo, tudo
Quero mais que tudo, tudo, tudo
Te amar sem limites
Viver uma grande história


Aqui ou noutro lugar
Que pode ser feio ou bonito
Se nós estivermos juntos
Haverá um céu azul


Um amor puro
Não sabe a força que tem
Meu amor eu juro
Ser teu e de mais ninguém
Um amor puro

sábado, 29 de janeiro de 2011

because the night

janeiro

Queria sair e ver a neve. Era janeiro. Não nevava. Deixou a maçã vermelha sobre a mesa e foi à janela. Simplesmente não nevava. E seria extremamente necessário que nevasse naquele momento, porque ela queria que o inverno chegasse em janeiro - mas era verão naquela terra. Mas mesmo que o inverno viesse fora de época, não nevaria ali. Poderia desejar as tardes outonais, mas imaginava os amanheceres do inverno como em sonhos infantis, com o céu de aurora boreal da Nova Zelândia. O verão esfregava-lhe a liberdade na cara, mas desejava mais que tudo a paz nevada do inverno. Mas não queria que o inverno durasse para sempre: dois ou três dias, talvez. Depois o mundo poderia voltar ao normal.
Voltou à mesa e pegou a maçã vermelha. Cravou-lhe os dentes e saiu à rua - porque a maçã estava doce e era manhã ensolarada de domingo. Era janeiro de maresia.

[e não é que as boas surpresas sempre acontecem em janeiro? coincidentemente, sempre em torno do dia 24... que vida, essa...]

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

diálogos que eu adoro - e outras considerações

- Saudade de você...
- E a despedida aquele dia?
- Foi péssimo. Despedidas não são legais...
- Você se segurou, não é?
- Uhum...
- Queria chorar?
- Uhum...
- Adoro esse "uhum"...

Às vezes a gente acha que se quebrou de um jeito que não vai dar mais pra juntar os pedaços todos. E que vai ficar craquelado e capenga pra sempre. Mas sempre há mãos que transformam em novo tudo o que tocam. E essas mãos sempre vêm acompanhadas com um sorriso, um gosto e um bocado de poesia. Há poesia em qualquer renascimento. Há amor em cada gesto - não o amor clichê de novela das 6, mas aquele que diz no silêncio tudo o quanto pode significar. E não há agradecimento que valha ou retribuição que compense. É de graça. Simples assim.


Sorriso [André Al Braga]

Fonte: http://mundoid.blogs.sapo.pt/


I

Se meu olhar muda
E minha boca muda
Muda calada
E toda minha pele grita
Uma alegria desconcertante
Em arrepios
Sussurra espasmos

Se o resto em volta muda
E meus ouvidos mudam
E meu corpo todo muda
Então sorrir é um orgasmo

II

Num sexo sem toques
Meu corpo todo
Sorrindo
Goza
A felicidade
De pensar-te

III

Na orla do lábio
Caminha o sorriso que
Eufórico
Corre
Pela areia do tempo
E mergulha
Na felicidade do mar

IV

Na música do sorrir
Os acordes são maiores
E todas as claves
São de Sol

confissões

Ela se sentia um pouco ridícula por estar com as vísceras tão expostas, mas a pequena confissão do outro lado causou-lhe a mais bela comoção. Então, compreendeu: expunha-se na medida em que via, também, a outra carne sangrar...


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

das horas da morte

Ela estava lenta; lenta e ácida. Desejava morrer novamente - já havia morrido tantas vezes, que o corpo havia acostumado ao martírio dos 5 segundos de morte não planejada repetida exaustivamente e bem aceita dos últimos dias. E sua lápide era pequena demais para o mundo inteiro que precisava ser vomitado, contado, exposto. Estava sendo descascada e a parte de dentro era mais doce que o resto, mais macia, mais pulsante. Aquele mundo de lava dançava em espasmos no salão sem plateia. E a moça vibrava no rosa pálido dos lábios e no vermelho caótico do sexo. Vibrava de estranheza - desconhecia o corpo tão intimamente que conseguia surpreender-se a cada repetição de gestos. E as sílabas (re)cantadas (re)gemidas (re)tocadas dançavam diante dos olhos, feito serpentes - coleantes, enfileiradas, irônicas. Estava suicida, nua e extremamente suicida - calculava a distância - proximidade -, duração do sofrer e tempo do impacto - a sensação quente e a delícia dolorosa que o sangue trazia quando borbulhava dentro dela, em erupção feminina e tortuosa. Intensidade - um bocado de sentidos sem nome que a assolavam em meio à normalidade das horas da morte.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

do silêncio e outros calares

Aprende meu silêncio em tua boca com os riscos feitos da ponta da língua, no sal da carne, no suor da noite,
do dia, madrugada insone. Revela meu silêncio de segredos contidos, de amor reprimido confesso, de violentas investidas e canalhices de alcova - curra consentida e doçuras milimetradas em dores de amar. Versos inacabados grafados em vermelho na pele. Esconderijo à luz do dia. Pulso elétrico - seio eletrificado. Falas, falo, vulva. Desmesuras de amor sem nome de amor, de amor não dito, de amor calado e sentido no meio da tarde - partida. Porque o corpo ainda grita uns assomos de rendição total, de desejo de retorno, permanência - moldura nova dessa nossa cena em movimento contínuo: idas, voltas, volta...
Volta.



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

sem título IV

paz acesa de felicidade tardia
e rascunho mais que mal feito
de um corpo de esquecimentos
repleto agora de futuro-mais-que-presente
morte matada do pretérito-mais-que-perfeito
onde ninguém fizera mais nada
e o passado do passado jaz em silêncio
mudo
torto
só.
o Corcovado me acorda pro mar
e minh'alma vadia esconde-se em território inimigo
no meio do meu mundo de sal e areia
no meio do meu corpo sem pele
- sou só carne e alma -
dentro de mim, dentro de nós
porque deixo-me fragmentada em ti
em aroma, sorriso e saliva
nesse querer mais que amar
nascido no desatino rosa-laranja da Guanabara
nesse sentir mais que pensar
meu silêncio verborrágico
dentro do teu gerúndio bonito
ditado em desejo e língua muda

- suavidade do modo infinito.

domingo, 23 de janeiro de 2011

sobre a memória poética

"Amamos a bela cena antes de amar a pessoa. Por isto que Santo Agostinho dizia, em suas Confissões: 'Antes que te conhecesse eu já te amava.' Somos amantes muito antes de nos encontrarmos com a mulher ou com o homem que será o objeto do nosso amor. Somos como a criancinha que já ama o seio mesmo antes do primeiro encontro. Sua memória poética sabe que ele existe."
[Rubem Alves]

Sorrio, boba. Tu me perguntas o que me passa pela cabeça e eu não te conto. Não penso em nada, na verdade.  Estou sentindo este instante, este fragmento do tempo - este canalha que nos afastará em breve. Sorrio dentro do teu sorriso, como prometido antes do encontro. Digo em silêncio que te quero - porque sei dizer muito em silêncio. Tua voz murmura músicas dentro da minha boca, de pernas enroscadas com as minhas, de corpo grudado no meu. De olhos vidrados, me dizes que pareço menina linda quando meus olhos enormes viram pequenos rasgos no rosto - olhos apertados de amar. Tua promessa de beijos intermináveis é cumprida. O mundo parou. E aquelas paredes ficaram repletas de sentires. A água lava os vestígios de amor do corpo, mas cheiros e gostos permanecem - assim como o desejo -, ficaram gravados em minha memória poética
Eis que criei minha cena de amor.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

mais uma dose [repostando]

Mais uma dose. Ele tossia compulsivamente enquanto ela gargalhava no canto urinado do quarto imundo. Aqueles olhos que reviravam eram lindos e menos brilhantes naquele momento. Olhos de cor estranha, não sabia se pela sua vertigem ou se pela loucura passageira que a assolava. Era linda quando estava louca, quando estava alta, quando estava bicho.

Arrastou-se para o seu lado e passou o braço em volta dos seus ombros, buscando algo de consolo e calor. Tudo era frio e cinza e aquela gargalhada era a única chama a aquecer o seu mundo. Mas ela parou. Olhou para ele e o mandou para o inferno. Afastou-se. Começou a gargalhar novamente. 
Com a boca seca, ele se dirigiu novamente para perto dela, mas ela novamente o hostilizou, vomitando agruras e estranheza. Mostrou-lhe, então, a agulha. Ela sorriu apática, estendendo-lhe o braço. A euforia injetável pulsou forte na veia, espalhando-se em espasmo elétrico por todo o corpo, até o espumar da boca.
Ela era tão linda quando estava morta...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

sobre a linguagem

“A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contato: de um lado toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que é “eu te desejo”, e libertá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem goza de se tocar a si mesma); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação. Falar amorosamente é gastar interminavelmente, sem crise; é praticar uma relação sem orgasmo.”

[BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso] 

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

da cumplicidade

Ele me toca. Ele me toca bem no meio do meu inferno. Diz que me ama. Sorri. Faz-se de bobo e me chama de bebê. Em seu colo vejo a lua sorrir, a noite morrer no meio da confusão da rua. É carnaval fora de época, concluímos. Talvez nós estejamos em festa em meio a essa gente sem graça. E somos tão atraentemente imperfeitos que causamos inveja ao próprio diabo. E achamos bonitas as palavras bobas, as rimas mal casadas e a fúria das paredes mal pintadas da cidade. Rimos da indignação alheia. Rimos da pieguice melancólica que nos atraía naqueles desertos lotados. Rimos das nossas depressões, nossas náuseas, nossos pesadelos - que agora parecem divertidos. Falamos como se tivéssemos calado a vida inteira, numa ânsia de dizer mais do que falar. E dizemos muito mais em silêncio, nas linhas não escritas, nas páginas em branco, nos beijos calados e intercalados de vinho bebido da outra boca. Somos, de repente, cúmplices - cúmplices dessas loucuras cheias de alma que nos assolam madrugada adentro. Acabamos de fugir - juntos - de nossos purgatórios.

domingo, 16 de janeiro de 2011

um bocado de amor e outras guerras

Com olhos de fúria rapto um pouco dessa paz indecente que me é oferecida. Não é uma paz muda, estática, insossa. É a paz turbulenta de uma presença em mim, mesmo quando a cena não está completa. Rapto o desejo de vida inteira - saliente dicotomia atemporal. O tempo desanda. O tempo para. O tempo corre. Balanço. Gangorra. Montanha-russa. Frio na barriga. Cachorro-quente. Passado. 
Não somos criaturas de cama: somos de escadas, chão, mesa, inferno. Nosso nirvana intimista. Uma desrazão qualquer. Um bocado de amor e outras guerras. Um arfar desmedido e assombroso, adorável circunstância amorosa. Um não-sei-o-quêde sentir e não prometer; apenas desejar. Uma alma dentro de outra em soluços orgásticos e doloridos. Inflamação. Presente. 
Um desejo surpreendente de planos não-feitos. É tudo sentido. Imperfeição atraente e voadora. Loucura afável que não vê o tempo passar. É sempre presente. A fúria torna-se meiguice. Completude. Sensações estranhas de uma palavra que inventamos, um sentir sem nome e sem data. Futuro incerto de presente vibrante. Presente infinito. Tempo que não morre e não mata.

Clementine Mode ON


"I'm not a concept. Too many guys think I'm a concept or I complete them or I'm going to make them alive, but I'm just a fucked up girl who is looking for my own peace of mind. Don't assign me yours." [Clementine Kruczynski]
* * *
Joel[in the house on the beach] I really should go! I've gotta catch my ride.
Clementine: So go.
Joel: I did. I thought maybe you were a nut … but you were exciting.
Clementine: I wish you had stayed.
Joel: I wish I had stayed too. Now I wish I had stayed. I wish I had done a lot of things. I wish I had … I wish I had stayed. I do.
Clementine: Well, I came back downstairs and you were gone!
Joel: I walked out, I walked out the door!
Clementine: Why?
Joel: I don't know. I felt like I was a scared little kid, I was like … it was above my head, I don't know.
Clementine: You were scared?
Joel: Yeah. I thought you knew that about me. I ran back to the bonfire, trying to outrun my humiliation.
Clementine: Was it something I said?
Joel: Yeah, you said "so go". With such disdain, you know?
Clementine: Oh, I'm sorry.
Joel: It's okay.

de prosa

Eu sou de prosa. Não gosto de rimas, métrica ou essas certices sufocantes. Chove torrencialmente nessa manhã ensolarada - chove por dentro. Tu me falas de tempestades e eu sigo trovejando. Quero um copo de loucura no meio da minha mesa de café. Tu me olhas e dizes que não faz sentido, mas é exatamente nesse lado onde quero estar. Porque sou masoquista, egoísta, desesperada, manipuladora e cretina - nas minhas devidas proporções e silêncios. Se eu disser que te amo, desconfie; se disser que te odeio, não acredite. Coloque-me à prova. Engula-me. Deixe-me sozinha e me ligue. Volte. Diz que me ama e me leva pra cama pra depois dizer que me odeia sorrindo. Porque o que me atrai é a tua falta de nexo, de núcleo, de certeza. Atrai-me o medo, a ânsia, o sarcasmo: o sorriso de canto de boca e essa metáfora violenta.

sobre a paz osculante

Ilustração: VIII Les charmes de Fanny exposés - Édouard-Henri Avril
O corpo inteiro inquieta. Uma tremura diferente, uma agitação involuntária. Uma oscilação nervosa e ritmica. Suspiros. Pensamentos alados. Um céu de nuvens acinzentadas por trás das pálpebras. Um ponto nervoso e elétrico. Silêncio banhado em língua e saliva. O gosto da origem do mundo, do parir da vida - doce encarnado no centro de tudo. Estímulo faminto em meio à semi-consciência. Um queimor mágico e ascendente, flutuante, em curvas invisíveis e roucas. Grito contido na garganta, receoso de perder-se no caminho. Lida ardida e feroz. Coxas, boca, diálogos em outra língua. Um sussurro dentro da alma, que te ouve e responde e espera e recomeça. Dança cíclica clamando enchente, desgoverno, despudor. Uma pele. A paz osculante da terra prometida. Felicidade do gozar sem gozar, mais de meio que de fim. Gozo sorridente. Maré que sobe, desce, acalma e que, mesmo serena, não fenece. Pira inextinguível. Fome inesgotável. Um tanto de vida em um pouco de morte. Minha alma que se dilui - aos poucos - na sua. Destemperança aguda. Derretimento. Meu estado das coisas.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

coisa mais bonita...

Largo
[de André Al. Braga]

http://mundoid.blogs.sapo.pt/114812.html

manhãs

Ilustração: Fellatio, de Édouard-Henri Avril
a pele desperta com o cheiro dessas manhãs
- amanheceres de mansidão e silêncio -
quando o dia ainda não nos brindou de luz
antes de tudo, depois do sonho, depois do sono
quando te resgato do escuro das pálpebras
em um sonho desperto e quente em tua virilha
aconchego osculante da paz esquecida
onde a melodia suave se desgoverna aos poucos
renasce aos poucos, cresce aos poucos,
e ouvimos o prelúdio suave do violento concerto em sol maior
numa canção nossa de roçar de peles
de molhar de línguas
de esquecer a noite morta
de te adorar com a um deus de carne
no templo vivo - sepulcro teu -
onde te guardo quando tu morres,
onde sorrio quando te bebo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

simples

Quando te peço para grudar a boca na minha
e me dizer segredos de amor,
responde coisas lindas e me sorri largo,
largo como a felicidade deve ser*.

[*as palavras mais lindas do dia]

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

terra nova

Nesse chão de terra batida que não piso mais
nessas horas esquecidas que não conto mais
nesses lençóis postos de lado que não uso mais
não quero mais, não ouso mais
há uma melodia que não ouço mais
há palavras que não digo
nomes emaranhados em cantos seguros
esconderijos de maledicências de querer
uns verbos que não sei mais conjugar
nesse infinitivo insosso de linguagem descontínua.
Aí vem o desassossego que eu quero mais
vêm os maremotos que desejo mais
vem esse novo mundo que me entorpece mais
me enlouquece mais
me aquece mais.
Sou tudo novo: carne, vida e morte
porque morro novamente em outros dias
outras camas
outros olhos
sem segredos ou pretensões
desse modo cru e rasante,
simples e oceanicamente pequeno.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Gira céu

teu nome dança
essa valsa sem som
resvala
amansa
conta
parte
gira
gira mundo
gira manso
dentro do céu
da caixa do céu
no chão
pintado de estrelas.
gira mundo
gira moço
gira gira
bate e volta
e volta
girando
tonteando
gira, homem,
gira, céu,
gira!
grita
cala alto
essa incerteza
coisa vazia
minha animalice
tonta de saia rodada -
gira
bate
volta
despedaça o dia.
olho vidrado
no olho pintado
no céu estrelado sem nuvem
sem fundo esse céu
esse céu que adoro
pintado de preto.
É preto esse céu?
Vem cá, homem
amansa
aquieta
respira
me dá esse céu
esse céu tão bonito
de negras estrelas.

Treze minutos

eu queria treze minutos sobre essa ponte
esse elevado, essa ereção desconcertante
esse mundo tardio de esperas outras e blues
de surpresas e taquicardia na garganta arranhada.
queria treze minutos na tua extremidade vibrante
treze minutos, somente, de volúpia extremada
consciência ardida deixada na esquina
do corpo com febre e integridade manchada
porque essa noite, meu bem, não sou teu amor
quero apenas esses treze malditos minutos
sem te dizer meu nome, paradeiro ou destino
uma ordinária que te arranca a alma a gritos
e te mostra os dentes e as unhas pintadas.
Levanto-me e me lavo de lava molhada
da tua macheza honrada em treze minutos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fifty-fifty

Às vezes a madrugada é longa demais, quente demais, insone demais. E eu penso demais em madrugadas assim. Sinto demais em madrugadas assim. Desejo demais em madrugadas assim. E sempre desperto com uma voz que me chama com urgência, como se realmente precisasse acordar e continuar pensando, em estado de vigília ou qualquer merda nesse sentido. E isso me desespera: levanto descalça e vou procurar a voz miserável que não me deixa dormir. Sento para escrever - não consigo. Não consigo porque simplesmente não escrevo quando penso demais - disse isso a Tácito dia desses. E penso naquelas coisas de me saber, de não me saber, de ser e não-ser - aquele lance filosófico que ele adora. Talvez Tácito tenha alguma razão e isso me deprime um bocado, me fazendo voltar à origem e me olhar no espelho: quem sou eu? Se eu sei quem sou? Claro que sei! Mas não digo. Se eu disser, talvez saia algo errado, porque as palavras são tão flutuantes... Não há precisão nelas. E não quero ter cuidado com elas. Lê nos meus olhos, nos meus gestos, na minha boca, no corpo gasto de mulher, nas linhas em branco. Como representar exatamente um estado de espírito? Foda-se. Eu não posso me analisar. Quem poderia? E essa psicologia é tão barata, tão ordinária... Eu posso enganar o diabo - ou despistá-lo com enigmas porque eu não quero que ele me saiba. Eu me sei. Por mais apavorante que seja, eu me sei e não sei na mesma proporção - fifty-fifty. E essa condição não me faz conhecer menos, exatamente porque para se saber ser é necessário também saber o que não se é (o meu português está sofrível hoje?). E quando alguém me pergunta "qual é a tua?", eu sorrio. Só sei que gosto de estar aqui agora. Estou exatamente onde quero estar. E respondo: "não me decifra, homem. Me devora."

2:13

E eis que essa música veio me assolar às 2:13 da madrugada...


Wish You Were Here

Pink Floyd

Composição: David Gilmour / Roger Waters

sábado, 8 de janeiro de 2011

Tenho sede




Tenho Sede

Dominguinhos

Composição: Dominguinhos e Anastácia
Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem o teu olhar
A planta pede chuva quando quer brotar
O céu logo escurece quando vai chover
Meu coração só pede o teu amor
Se não me deres posso até morrer

Presente - André Al. Braga

André faz poesias lindas., viscerais. Às vezes até ingênuas. E são de uma sinceridade avassaladora. Do jeito que eu gosto. E sempre se encaixam loucamente em momentos meus.

André Al Braga. Poeta. Gente de primeira.

http://mundoid.blogs.sapo.pt/


I
Um amor descoberto
Entre palavras noturnas
Sem pretensões

Agora tenho teu cheiro
Dentro de uma carta
Que guardo debaixo do travesseiro
Esperando o beijo
Que completará a cena

II
O asfalto queima os pés
Que querem alcançar o mar

Para na orla
Ao lado do poeta
Os versos se darem
Entre bocas de fome
Vigiadas pelo cristo
Petrificado
De braços abertos
Que nunca é abraçado por ninguém

III
Ao som do mar
Nossos cheiros irão se misturar
E virar perfume único
Que derramaremos em cartas
Flores
E nas poesias que estão por vir

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Entre sem bater

Entre. Não há trancas ou segredos. Está tudo simples - é tudo simples. "Entre sem bater", diz a placa na porta. E o receio do desconhecido não habitado dessas paredes é o que te freia, o que perturba teu juízo em palavras diferentes do que conheces - talvez sejam as mesmas; talvez tu estejas diferente. Precisamos de mapas, localização, razão, precisão de cálculo - fingimos que acreditamos nessas baboseiras racionais e cinzas da engenharia. Precisamos de provas químicas - porque as físicas são bem mais óbvias -, tu balbucias no silêncio do teu lado do mundo. Na verdade, isso queima tudo ao redor, lambe de fogo as considerações alheias - alheias ao que há nesse cômodo escuro de paredes de carne (porque as pedras há muito já foram destituídas de nós). E teus olhos me sugerem uma embriaguez vulcânica gozosa, um convite aos gostos e aos cheiros. Pelos, peles e verdades apartados pelo espaço. Ignoramos as ranhuras das paredes e os espelhos estilhaçados pelos antigos moradores.
Entre sem bater. A casa está vazia e quer parir novo piso, novas cenas, testemunhar nova vida brotando dos azulezos vermelhos - quer engravidar de nós.
Entre sem bater e apague a luz. Faça um breve silêncio de 87 horas ininterruptas dentro da minha boca. Porque me sinto viva novamente. E quero gozar na velha casa nova.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

despertares

De me olhar intrigado e curioso
pergunta quem sou, de onde venho
sem saber que venho de ontem
do dia que morreu em um esquecimento teu
da brevidade do instante cruzado
entre carros e ruas e passantes e sinais.
Assolo-me.
Tua memória ruim de outra vida me desgasta
e me desfaço em pensares, gestos e sorrisos
e tu me reconheces pela boca
e pelos olhos vítreos de castanhura indefinida.
E de me olhar intrigado e curioso
diz que me adora
que tenho 'sabe-se lá o quê'
que te deixa 'sabe-se lá como'
e matamos de fome a cretina caótica que é a madrugada
porque ela não nos devora ou arrasta
até que nos beijemos e Morfeu venha nos brindar
com sono e amor adormecido que espera
para despertar na noite estrelada de desejos e saudades
- sabe-se lá quando,
sabe-se lá onde.

Abre os olhos, amor - é hora de acordar.

invasões bárbaras [repostando]

É noite de lua - rosno. Uivo para o céu. Deixo no ar o cheiro agridoce da concha venusiana onde deságua minha alma. É meu cantar para o sátiro - meu convite à dança.
Aproximação. Um início de delicadeza. Mas te quero bruto - pele embaixo das unhas, gosto de sangue na boca, um pouco de dor onde pulsa a vida nesse instante. Faço-me cadela. Culpa dessa outra maldita que reverbera nas paredes do meu corpo. Solto o verbo sujo em teus ouvidos e passo a língua em teu rosto, teu nome, teu desejo. De pelos eriçados - qual bicho - deixo-lhe o cio marcado na pele das coxas - nos pelos da virilha. E te quero forte, lento, fundo. Quero aspereza, crueza, um pouco de hostilidade. Invasão, barbárie, curra. Porque não tenho medo - tenho vida. Porque agora - nessas horas em que violentas meu mundo - sinto vibrar o coração entre as pernas.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Ao estranho desejo

Uma transformação muda ronda o corpo. Esqueço-me do dia. Vejo olhos de cor difusa a invadir meus olhos - pensamento que quase se alcança com a ponta dos dedos e da língua. E quando a língua - a tua - me toca o ombro pela alça que cai ao ritmo do tango, entrego-me à estranheza da loucura - nossa. E minha nuca, minha espinha e meus pelos eletrificam-se. Sussurro teu nome, estranho, dentro de tua boca. De ti, sei apenas o nome. E a cor dos olhos. Embebeda-me a pele com o vinho dionísico, cuspindo-me verdades e desejos. E me descobre puta no espaço finito de minha boca. Carma circunscrito na carne. Enigma por baixo da pele. Entrelinhas. Pequenos vestígios.

Tua canção - porque a noite traz boas coisas



Te faço uma canção
Tão Antiga e tão bonita
Não tem queixa e nem ferida
É proteção pra toda a vida
Porque você entende meus sonhos
Teu sexo tem o gosto que eu gosto
Tua boca, carne, tua saliva
Faz a minha carne mais viva

Então eu faço esse carinho 
E assim fico menos sozinho
Meu coração não chora mais
Na ponta de qualquer espinho

Hum... Hum... Hummmm...

Não tenha medo do futuro
Do escuro ou da hora de acordar
Dorme em paz, amor, o tempo
que a minha canção soar
E não deixe de sonhar
Com o possível e o impossível
No amor é quase sempre assim
Tudo imprevisível 
Não deixe de sonhar

Tudo imprevisível 


[Barão Vermelho]

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Em diante [por André Al. Braga]

Qual é a importância de saber o passado
Que há muito se encontra distante
O tempo é negócio inventado
Só temos o agora em diante

O vivido já está morto
O futuro não aconteceu
No presente se concerta o torto
Arrumemo-nos, você e eu

Vamos é rir dos acontecidos
Como loucos, que descobriram "o segredo"
E nessa peça que chamamos de vida
Façamos um novo enredo

O tempo vai marcar nossos rostos
Antes que finde e só fique desgosto
Me dê sua mão, caminhe comigo
Plantando a semente e colhendo o trigo
Nosso futuro amor não corre perigo

[In: Poemas errados (dias intranquilos) - http://poemaserrados.blogspot.com ]

sábado, 1 de janeiro de 2011

Saúde!

Feliz TUDO Novo!

"Eu já me cansei dessa história, não vou viver de memórias... Viver é bem mais."
[3 minutos - Frejat]


A boca amanhece em sorriso
com gosto de champanhe e verão
porque o outono partiu
a primavera morreu
o ano acabou
e as flores mortas ficaram pra trás
embaixo da cama
embaixo da terra molhada
onde o passado enterrado
em cova funda
arranha as paredes da madeira velha
sem que seus gritos sejam ouvidos do lado de fora
ao sol do dia novo
da vida nova
do mundo novo de tudo novo:
tudo novo de novo.