EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Poesias ao José...

Com você aprendi a não temer os versos. Por você, arrisquei-me em poesia.


Lupercus e Aera


A imensa lua, esplendorosa, pairava no alto do véu de negror infinito ofuscando as pequenas e tristes estrelas. Ártemis parecia se contemplar diante do lago espelhado e derramava seu luar de prata na pele alva e suave da ninfa que se banhava à meia-noite. A água deslizava pela seda de sua pele, se escondendo pelas curvas perfumadas, na carne macia e rósea, pelos cachos, entre os seios, entre as coxas. Uma visão divina, capaz de despertar toda a fúria do demônio da libido no filho de Pã que observava, à distância, escondido nos ramos de espinhos na margem, a bela ninfa do canto, Aera. Acreditem quando digo que seus pensamentos eram os mais sórdidos possíveis; as mãos tremiam ao imaginar o toque de suas garras cravadas profundas no quadril da ninfa, puxando-a ferozmente contra si em uma curra alucinada. Ecoavam gemidos, gritos, uivos e balidos por toda a floresta noturna nas fantasias de Lupercus. A boca espumava de luxúria, os olhos ganhavam um brilho de extrema malícia, e o sexo latejava de desejo em rasgar a flor incólume de Aera.
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O fauno ouvira Aera pela primeira vez após se fartar de vinho em um bacanal de Dionísio, no coração de uma floresta desconhecida e, andando a esmo, exausto e satisfeito, deixou-se apanhar por Morfeu. Seus sonhos ébrios foram varridos de repente, e a voz, leve e angelical como o cristal que tilinta ao sabor da brisa primaveril, chegou-lhe à alma, fazendo o aço do seu coração se retorcer, abrindo feridas incuráveis em seu peito. Lupercus chorou ao ouvir tal voz repleta de candura e beleza; nem Orfeu ao descer nas profundezas de Hades seria capaz de fazer isso ao devasso sátiro. Desde então, ele persegue o hálito doce no vento, a voz que o despertou dos pesadelos. Lupercus tornou-se obcecado em encontrar a única ninfa imune ao encantamento de sua flauta, siringe. Por vales, montanhas, abismos e campos o fauno passou, até encontrar o santuário onde Aera vivia, nos domínios da deusa amazona. Sua presença no lago onde Narciso se apaixonou por seu reflexo, nesse templo natural sagrado, já era motivo suficiente para que as caçadoras arqueiras soltassem os mastins farejadores contra o intruso, e o fizessem em retalhos. Se alguma guerreira descobrisse as intenções do sátiro, elas o alvejariam com suas flechas envenenadas e o arrastariam por todo o caminho de volta para jogar seu corpo aos pés de seu senhor. Talvez esse pretexto pudesse ser o começo de uma guerra entre Ártemis e Pã. Lupercus arriscava a vida sem receio, sabia que valia a pena qualquer risco o tesouro que almejava. E não se preocupava com as conseqüências de sua escolha: ninguém era imune ao desejo, muito menos os sátiros.
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Nas sombras, furtivo, ele esperava próximo às vestes de Aera para apanhá-la distraída com uma rede trançada pelos fios do destino das Moiras. Para conseguir que as irmãs o ajudassem, ele abriu mão de sua longa existência encurtando sua própria vida para poder prender Aera e fazê-la submeter-se a sua volúpia. Do que lhe valeria uma vida longa se jamais pudesse ter o que mais queria? Depois de tê-la presa em sua rede, bastaria obrigá-la a beber do vinho ardente de Dionísio que Lupercus trazia em seu odre para morrer feliz, dentro do que mais amava. Finalmente, Aera parecia ter terminado seu banho de luar e prata; uma nuvem negra selou a visão de Ártemis. Então, a ninfa veio de encontro à margem buscar sua indumentária. Lupercus estava ansioso, não conseguia imaginar a felicidade perversa e pervertida de ter aquele sonho em seus braços.
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Surpresa, Aera nem tentou resistir, a rede caiu sobre ela, e logo os braços e mãos vieram arrebatá-la. O odre caiu por terra quando Lupercus percebeu que Aera estava disposta a se entregar; ela retribuiu seu raptor com beijos, e suas mãos e boca procuraram o sexo do sátiro para adorá-lo. De joelhos, ela arranhava as costas do fauno que ofegava e cambaleava de excitação ante ao inesperado milagre. Aera trouxera Lupercus ao único lugar onde Ártemis jamais desconfiaria que um fauno fosse procurá-la, em sua casa; por isso ela escolheu o mais corajoso e faminto de amor dos malditos filhos de Pã e esperou até que os ventos cegassem sua mãe para poder se entregar a ele. Famintos um do outro, ele a colocou de quatro e a cavalgou usando seus cachos como rédeas. O suor escorria e pingava nas costas da ninfa que fraquejava, tendo suas forças roubadas pelo fogo que queimava dentro do seu corpo, ardendo e aumentando mais e mais. De súbito, o gozo semeou paixão pela terra, e momentaneamente aniquilados, eles derrotados, deitaram no leito de folhas e juraram não se separar mais. Cada dia, cada noite, seria único, de canto, vinho, música, poesia, uivos, gemidos e prazer.

POSTADO POR E AGORA, JOSÉ?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Somos todos poetas...

Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.

[Murilo Mendes]

a agonia...

Essa coisa de agonia que me corrói, que me perturba, que me faz querer mais do que posso, nesse meu frisson, nessa busca pelo entendimento e no descaso pelas explicações. Quero tentar entender, não quero explicar. Quero morrer me indagando, mas não quero as respostas. A busca pelas respostas move minhas pernas e o meu espírito inquieto, mesmo não sabendo em que direção seguir. Sigo experimentando para que, no final da vida, possa dizer que provei do gosto de quase tudo. Sem medo.

Postado por Nina

sonho quase lúcido...

Respirava sozinha na cama e deixava o ar abandonar completamente os pulmões, até sentir os pés dormentes. A realidade começava a fugir, porém não me abandonava completamente. O ébrio aproximou-se, sorrateiro, entre os meus lençóis e suspiros, quando o corpo já me escapava.
O ponto luminoso no canto da mente (onde os números passeavam ao ritmo da respiração) tornou-se uma esfera verde e reluzente. Mas logo Morfeu tomou-me de assalto, e o que era quase realidade perdeu-se em nuvens brancas de sonho...

(Mas amanheci encharcada de rosas novas...)

"Eu te deixo aroma até nos meus espinhos."
(Cecília Meireles)

Postado por Nina

caleidoscópio, a música...

Caleidoscópio
[Paralamas do Sucesso]
Não é preciso apagar a luz
Eu fecho os olhos e tudo vem
Num caleidoscópio sem lógica

Eu quase posso ouvir a tua voz
Eu sinto a tua mão a me guiar
Pela noite a caminho de casa

Quem vai pagar as contas deste amor pagão
Te dar a mão, me trazer à tona prá respirar
Quem vai chamar meu nome
Ou te escutar

Me pedindo prá apagar a luz
Amanheceu, é hora de dormir
Nesse nosso relógio sem órbita (nosso relógio de não marcar horas)

Se tudo tem que terminar assim
Que pelo menos seja até o fim
Prá gente não ter nunca mais que terminar

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Millôr, os palavrões e eu...

Já postei sobre isso há algum tempo, mas volto a sentir vontade de fazê-lo.
Estava lendo coisas por aí quando me deparei com um texto de Millôr Fernandes, em que ele defende o uso de palavrões e expressões como "pra caralho", "puta-que-o-pariu" e "foda-se", alegando serem "recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos".
Não pude me conter. Eu, eu mesma, adoro utilizar-me de vocábulos chulos, desses maravilhosos termos impróprios para a linguagem educada. É libertador, senhores. Deveras libertador.
Particularmente, adoro a palavra "puta". Acho muito mais sonora e simpática do que "meretriz", por exemplo. Não faria sentido dizer que a Salomé do Moulin Rouge era meretriz. Puta soou muito melhor e menos ordinário. Claro, é apenas um ponto de vista. Há quem prefira dizer "prostituta". Que seja.
Acho uma grande "filhadaputice" (assim mesmo) tentar encontrar palavras bonitas para o que precisa da urgência dos palavrões. Substituir "é foda" por "é fogo" é hipocrisia. E nem tem o mesmo impacto.
Há situações em que apenas as palavras sujas podem descrever fielmente sentimentos. Na hora do sexo é delicioso dizer "me fode". Seria brochante estar na cama entre gemidos e tesão alucinante e virar para meu amor, dizendo: "penetre-me, por favor". Ninguém diz isso (espero que não). E o orgasmo que vem acompanhado por um "porra" dito entre dentes aumenta a intensidade do gozo. É fato. E isso não é apenas na língua portuguesa (vide filmes de sacanagem estrangeiros). Na verdade, não tem nada a ver com pornografia. Tomei os filmes de sacanagem como exemplo, apenas.
No meio de tudo isso, li um texto de um amigo hoje, onde ele usava e abusava da linguagem sem barreiras. Foi excelente. Quase ninguém escreve assim. Parabéns, Antonio!
Mas o que me fez desejar escrever sobre isso tudo, na verdade, foi a vontade que senti ao acordar. Precisava dizer ao José o quanto o amo. No fundo, no fundo, digo isso o tempo todo, mas hoje a intensidade das coisas está extrapolando os limites do verbo amar.
Resumindo: para tentar exprimir o que sinto nesse momento, preciso dizer:

"Puta-que-o-pariu! Te amo pra caralho! Porra!"

E se alguém achar sujo ou inconveniente, o que posso fazer? Dar de ombros e soltar um sonoro "foda-se".

"(...)
Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se." (Millôr Fernandes)

Postado por Nina



30 dias...

Há um mês sinto-me muito mais feliz.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

sem título...

A caneta, o papel, os malditos vocábulos. A bebida, o cigarro, as dúvidas sobre quem sou e as certezas sobre o que quero. A alma é leve; o coração é pesado, indecente, combustível. Quero o amargo e o doce, o veneno e o antídoto, todas as contradições. Quero escrever e já disse tanto, mas agora o muito é pouco. Que venha o tudo, então.

Postado por Nina

metamorfose...

As asas da noite caíram,
envolveram as trevas,
mudaram o curso do rio,
fizeram despir a outra pele,
entrar novamente em mim,
ser eu mesma, enfim
e mudar para sê-lo.

Mudar todos os dias
e ser a mesma, sempre
vestir personagens e poesias
estar no centro do mundo,
no baile dourado de máscaras,
valsando, morrendo, sonhando,
cuspindo, gemendo, mudando.

Postado por Nina

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Narcisa...

Ela caminhou à beira do riacho e debruçou-se à sua margem. Olhou-se no espelho d'água: tão branca, tão bonita, tão grave. Narcisa queria mergulhar, mas não sabia nadar. Narcisa precisava se encontrar; queria amar a si mesma.
Os dedos tocavam a pele do rio e encontravam outra mão, tão suave quanto a dela. Narcisa apaixonara-se. Oh, céus! Daria o mundo para beijar a outra face!
Narcisa arrastou-se, aproximando-se dos lábios rosados e perfeitos do outro rosto. Aproximou-se mais. Pôde tocá-los, mas tão logo os lábios encontraram-se no espelho, foi sugada pela outra. Foi sugada por si mesma. E perdeu-se. Tudo que a floresta ao redor testemunhou fora o eco do único beijo de amor que Narcisa jamais dera. E as águas se apaziguaram por um longo tempo...

Postado por Nina & José

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

poeminha à transgressão...

Sempre fui a transgressora. Sempre me enfiei nos lugares mais estapafúrdios quando todos diziam: "Não entre aí!". Já queimei os dedos em ferro quente por alguém ter dito para não fazê-lo. Já andei descalça pela rua em dia de chuva. Já experimentei o imoral e o ilegal.
Certa vez disseram que com a idade, meu caráter subversivo seria aplacado. Mas tenho más notícias hoje: só tem piorado.
Enfim, o poeminha:

Mandaram que eu me calasse, mas falei;
Mandaram que me ajoelhasse, me ergui;
Mandaram que me cobrisse, mas me despi;
Disseram que não amasse, me entreguei;
Colocaram-me no tronco, eu sorri;
Deram-me chibatadas, gargalhei.

(Se estou ácida? Muito, demasiadamente, exacerbadamente...)

Postado por Nina


nudo dormiente...

A mulher que se deixa pintar pelo artista enquanto dorme...
Obra do grande Matisse.

Postado por Nina

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

beleza...

O olhar sonhador da bela Rafaela, uma das musas roliças e sensuais de Tamara de Lempicka. (1927) Bons tempos em que as mulheres eram muito mais do que infelizes sacos de ossos plastificados e oxigenados.

Postado por Nina

a família Popescu...

Em plena Romênia do século XXI, os Popescus, tradicionais e respeitados em Tirgoviste, não saíam às ruas sem que todos os olhares dos moradores locais fossem lançados a eles.
Os pais faleceram em circunstâncias suspeitas, fazendo de Radu, o mais velho, líder do clã.
Radu, 43 anos, era solene e taciturno. Conduzia os negócios da família na cinzenta cidade industrial, assim como conduzia a própria família. Era implacável, autoritário, amargo.
Goran Popescu, aos 35, ainda mantinha os hábitos de sua juventude: colecionava automóveis e jovens mulheres. Era atraente e extremamente sedutor, mas ainda irresponsável e impulsivo. Tinha no sangue a fúria dos antepassados medievais, dos velhos guerreiros bárbaros. Nutria paixão incestuosa por Sonja, a mais nova da família.
Sonja, graciosa e talvez tão intempestiva quanto Goran, foi enviada às Américas para que estudasse. Na verdade, havia um intuito muito maior no afastamento de Sonja e Amnia do que apenas a educação.
Amnia Popescu, aos 28 anos, lecionava artes em uma escola para moças em Chichester, pequeno distrito de West Sussex, Inglaterra. Vivia sozinha e mantinha pouco contato com os irmãos, à exceção de Sonja, com quem falava por horas ao telefone.
Dez anos antes, Amnia envolveu-se com um rapaz com quem estudava, mas fora proibida de levar a frente o relacionamento. Rebelde, continuou encontrando-se com o moço às escondidas, o que culminou numa gravidez precoce que, ao ser descoberta, foi o estopim de uma guerra familiar. A gravidez foi bruscamente interrompida e Amnia, afastada do rapaz. Radu, implacável e frio, ofereceu dinheiro à família do jovem para que o afastasse da irmã, suborno esse que foi aceito de bom grado. Na verdade, havia mais do que o interesse pelo dinheiro, havia o medo de contrariar o sombrio e poderoso Radu Popescu, que achou por bem enviar Amnia à Inglaterra para que estudasse artes.
Amnia havia sido prometida ao primo, mas manchou a honra da família quando entregou-se ao mestiço. Radu dizia que ela havia lançado seu nome à lama. Precisava afastá-la dos fantasmas daquela época para que se acostumasse com a idéia de adquirir matrimônio com seu primo, se ele ainda a aceitasse.
A família Popescu mantinha a tradição endogâmica de casar seus membros entre si, fossem eles primos distantes ou próximos, tios e sobrinhas, até mesmo irmãos. Havia a necessidade doentia de manter limpa a linhagem da família.
Os anos passaram e Amnia tornou-se seca, seu coração havia virado pedra. Não mantinha relacionamentos amorosos que durassem mais de 3 meses, pois não deixava que ninguém a tocasse intimamente, sexualmente. Nunca entregara-se a homem algum além de seu primeiro amor.
Sonja vivia na América na companhia de Catalina, velha e rígida senhora paga por Radu para que monitorasse seus passos e zelasse por sua pureza. Sonja sentia-se sufocada, mas acatava as ordens da velha senhora. Intimamente, também nutria um carinho especial pelo irmão, Goran, mesmo sem saber o que a aguardava no futuro.

Em meio a uma nebulosa tarde de outono, Radu chama Goran e pede para que ele se prepare para buscar as irmãs.
- Chegou a hora de reunir a família novamente. Vá à América e busque Sonja e, na volta, traga Amnia também.
Goran sorriu e os olhos verdes mudaram de cor, queimando ansiosos pelo reencontro com a pequena Sonja.

Já passava da meia-noite quando o telefone tocou, assustando Amnia, que dormia com Albus, seu gato albino, no colo.
- Sim?
- Goran está indo buscá-las. Primeiro, Sonja. Depois você. Entregue o apartamento e peça demissão. É hora de voltar para casa, Amnia. E não pense em fazer tolices. A vida segue seu rumo, exatamente como deve ser.
E desligou o telefone, deixando Amnia apavorada.

Continua...

árvores...

Amanheceu o dia azul. Da janela, a rua. A calçada. Duas árvores. Pequenas ainda, mas separadas pela estreita porção de concreto que estabelecia os limites entre os canteiros de cada uma.
Elas olhavam-se, flertando, indagando quem as havia posto ali, tão separadas. Os troncos ainda não haviam se espichado. Queriam crescer, queriam galhos grandes o suficiente para que pudessem se tocar, para que suas folhas balançassem ao vento e se misturassem no chão quando o outono chegasse.
Os anos passaram. E trouxeram novos anéis aos troncos que tornaram-se encorpados, firmes, imponentes. As folhas tocavam-se no alto de suas copas. E mesmo separadas pelos limitados canteiros de concreto, suas raízes enroscavam-se por baixo da terra.
A união. O pacto. A comunhão com a natureza. O amor maior.

Postado por Nina


Em Nome da Rosa



Anjo caído, lhe empresto as minhas asas
Me leve embora pra casa
Não há mais labirinto que me prenda
Só o delicado toque da renda
E mais nada
No jardim, até então estéril
Algo medrou na areia, e eis que o jardineiro
Antes carrasco dos ramos
Empunhando o machado e o desencanto
Agora ama a rosa de sua omoplata
Mesmo que ela venha a lhe cravar espinhos
Ele é só sorrisos
E se alimenta das pétalas, nunca mais de lágrimas
O segredo da rosa não está no cuidado
Está na entrega

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

DOMÉSTICOS COMO CÃES E GATOS


Ele não se lembrava do passado, das razões que o fizeram escolher o hermetismo misantropo, era um jovem ermitão que evitava qualquer companhia, o amor. Seus pensamentos eram profundos, a velhice já adentrara sua alma antes de corromper o seu corpo. E, próximo de sua cabana, subindo o riacho, quando o ciclo se fechava, ele instintivamente saía das cobertas, e caminhava nas trevas até encontrar o grande carvalho, onde uma corrente pesada o aguardava. Amarrado aos grilhões, com as costas contra a árvore anciã, a máscara humana dava lugar à origem bestial, a natureza selvagem de atormentado. Garras enormes surgiam onde antes delicados dedos folheavam livros de A.F., os braços eram enormes e poderosos, que investiam contra a madeira, a marcando profundamente, tentando forçar o aço que o mantinha preso. A lua em seu zênite de prata, esplendorosa rainha noturna, banhava com seu véu o filho que não sabia aproveitar o dom que ela lhe dera. Os uivos ecoavam na noite, assustando os animais silvestres. Essa foi a razão de Ninon ter tido tanta facilidade em conseguir encontrar algo para se alimentar. Seu instinto predador a comandava na mesma noite, ela estava eriçada, farejando, todos os sentidos aguçados experimentando a noite e a imensa floresta. Logo, um cervo apontou saltando em fuga dos gritos e rosnados lúgubres que de onde Ninon estava, mesmo com a audição felina que possuía, ela não podia ouvir. A perseguição fora iniciada, o animal era rápido, mas a mulher sabia os caminhos dos ermos e de seus segredos. Cuidando para que sua presa corresse para onde ela queria, Ninon apenas seguia a sua caça, que enfim encontrou o tronco na beira do barranco e, sem saída, pulou, esperando que com um salto gracioso pudesse escapar definitivamente das garras vorazes da onça-mulher. Entretanto, seus cascos não encontraram a firmeza do chão, os cornos se enroscaram nos galhos de uma árvore seca enorme, sem chance de se soltar. Do barranco, Ninon sorriu, sua armadilha funcionara, teria comida o suficiente por semanas. Teria realmente, se o santuário verde não tivesse sido invadido por caçadores procurando a cabeça do licantropo, do metamorfo profano. E a pele de um cervo, assim, quase que ofertada, veio a calhar. Os tiros assustaram Ninon, porém era sua caça que estava para ser roubada e ela não permitiria tal ultraje sem luta. Os homens armados riram-se ao ver a onça em corpo de mulher avançando para o combate, entreolharam-se e pensaram que ela daria uma ótima escrava, linda e fogosa. Eles a subestimaram, e também o homem que escolhera aquela floresta para se refugiar da dor.
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Ninon deu seu bote, rápida, sedenta de sangue; ela cravou as unhas negras no braço de um dos caçadores, entretanto eles eram muitos e estavam bem preparados para enfrentar resistência. Uma rede a cobriu e munidos de armas, renderam a mulher. A feriram, e quando estavam prestes a subjugá-la, um uivo longo e terrível reverberou em cada recanto perdido da terra, se multiplicando em força como se uma legião de matilhas estivessem suplicando perdão a lua. O momento de hesitação ante ao som profundo era o que Ninon precisava para mostrar o quão terrível podia ser. Seu frenesi não durou cinco minutos, e mesmo assim, após esse curto espaço de tempo, não havia como olhar para os retalhos destroçados de carne e acreditar que um dia eles formaram cinco homens. Ela então, satisfeita, curiosa, foi vagar tentando procurar quem entoara aquele uivo desesperador. Ela o encontrou em casa, imerso na sua cela de carne, sem saber de nada, e por muito tempo pensou se aquele velho menino era a mesma criatura que ela escutara. Só ele poderia lhe dar o que ela procurava, e ele, sem saber que abria a porta para a sua salvação, permitiu a entrada da mulher em sua vida, da mulher de sua vida. Quando em seus sonhos febris na mesma noite, despertou com Ninon ao seu lado, se banhando, se enroscando em suas pernas, se esfregando com seu sexo em seu corpo, o lobo que tanto o atormentava, a besta que tanto o causara problemas, que o obrigava a suportar o peso de correntes e que o fizera rumar para a solidão o tomou, e, possuído por esse lobo esfomeado, ele a possuiu. Ninon soube que era esse o homem que procurava, a quem ela podia confiar seu nome e sua alma, e de bom grado ela se deixou domesticar. Pois, em seu íntimo ela sentia, os olhos de gato enxergaram que nele, algo também havia sido domesticado e que ele se entregara da mesma maneira a ela. Desde então, os olhos dele, na companhia de seu amor, vibravam em uma luminescência esverdeada. E as fases da lua já não importavam mais, o lobo vinha toda noite fazê-los felizes.

Me Apresentando

Olá a todos os leitores de Ego, de Nina. Estou aqui para me apresentar, sou o José de Drummond que vive se indagando e comentando nos posts. Essa noite, tive a honra de ser convidado para colaborar com esse blog, que é fantástico por si só. Tudo que quero e espero é poder dar a minha parcela para tornar a leitura de vocês interessante. Escrevo contos e poemas, mas ultimamente a minha imaginação tem estado excitadíssima, devido a musa dona desse blog. Então, não se preocupem, Nina vai continuar a escrever, mas agora, acompanhada.
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Assinatura
O Sapo, Sátiro, Lobo, Menino, Psicopata Jardineiro dos Olhos Verdes

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

e por falar em olhos...

untitled II...

o cavaleiro e o vento...

Ainda perdido pelo mundo, o cavaleiro continuava a busca por sua alma. Precisava encontrá-la para ter de volta o coração.
Lembrou de Helena. Sentia, de alguma forma, que ela havia pulado e fugido do claustro da torre fria. Esperava que ela não tivesse atravessado a linha que separava o paraíso do inferno, que ela estivesse na segurança da floresta verde. Um frio percorreu a espinha quando imaginou que a serpente que ela carregava na alma tivesse sido revelada. Tal pensamento inundou de horror o peito vazio do cavaleiro, que, num ímpeto, resolveu voltar.
"Helena precisa de mim", pensou.
Irrompeu florestas e aldeias que já havia cruzado num galope tão veloz quanto seus pensamentos, temendo que o pior tivesse acontecido. Precisava ajudar Helena.
Dias e noites passaram até que pudesse estar de volta à pequena aldeia aos arredores do castelo. Só havia uma pessoa que podia ajudá-lo a entrar no paraíso. Essa pessoa era Virgo, o fiel e corajoso rapazote que havia cuidado de seu cavalo meses antes, a quem dera sua armadura.
Ao chegar, notou que parte da aldeia havia sido destruída. Deixou o cavalo e saiu à procura do rapaz, temendo não encontrá-lo.
Os aldeões não tinham mais a mesma vivacidade no olhar. Andou entre eles e pôde avistar Virgo sentado sob uma imensa árvore.
Aproximou-se e percebeu que o rapaz tinha os olhos vidrados em algum ponto distante dali. Sentou-se ao lado do rapaz, em silêncio. Sem desviar os olhos do horizonte, Virgo disse:
- Sabia que voltaria.
- O que houve?
- Isabeau. A maldita veio do inferno procurar por você. Quis que dissesse seu paradeiro, mas mesmo que soubesse, não teria dito a ela. Furiosa, queimou parte da aldeia.
- Maldita...
- Salvei os pequenos que ficaram presos dentro da casa de Mitgaard. O velho morreu. As chamas queimaram meus olhos, caro amigo. Nunca mais verei o sol...
- Sua coragem fez de você um homem. Já não é mais um rapaz.
Ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Voltei porque preciso de sua ajuda. Agora mais do que nunca, preciso encontrar Helena.
- Eu fiz o que pediu. Mandei um corvo à janela de Helena entregar o bilhete que confiou a mim. Helena pulou.
- Obrigado. Sabia que não falharia. Mas agora preciso ir ao encontro dela.
A última frase fez Virgo desviar os olhos do horizonte e virar o rosto na direção do cavaleiro, mesmo não podendo vê-lo.
Levantaram-se e caminharam juntos em direção à floresta secreta, o lugar onde só os mortos podiam entrar.
O cavaleiro desembainhou novamente a espada e entregou ao rapaz.
- Não hesite.
Disse isso encostando a espada no peito, enquanto Virgo a empunhava.
- Não posso...
- Não posso fazer isso sozinho. Se o fizer, irei direto ao inferno, mas tenho esperanças de que Helena ainda esteja no paraíso. Faça isso por todos nós. Por você, por mim, por Helena, por Mitgaard e por todos os que morreram pelas mãos da maldita bruxa.
E com um grito gutural, Virgo fez a lâmina atravessar o peito do amigo, fazendo o corpo tombar bem a sua frente.
Com lágrimas nos olhos e soluços que não podia conter, o rapaz deixou-se cair ao lado do corpo sem vida do cavaleiro, pedindo aos deuses que o perdoassem pelo que acabara de fazer.

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Abriu os olhos e sentiu a relva fria com as mãos. O lugar era diferente. Virgo não estava mais lá. Eram outras árvores ao seu redor e o vento soprava com uma força que não conhecia, sussurando palavras que não conseguia entender.
Olhou o peito e não havia cicatriz alguma ali. O corpo doía e a cabeça pesava. Não conseguia ficar de pé.
Mas o sibilar do vento morno contava-lhe histórias, falava sobre Nina e sua passagem por lá. Achou que estivesse louco, que houvesse perdido totalmente o juízo. Procurava Helena, e não Nina. E o vento contou-lhe que Helena havia morrido na queda, e que no paraíso, passara a chamar-se Nina. E que havia cruzado os limites do inferno.
Chorou. Pela primeira vez sentiu lágrimas queimarem seu rosto. Havia perdido Helena.
- Aqui no paraíso Nina é minha amante, disse o vento. Mas não posso resgatá-la do inferno. Ela foi por vontade própria, movida pela curiosidade das novas descobertas, movida pela serpente que já crescia dentro dela.
O cavaleiro enfureceu-se e amaldiçoou o dia que partiu da aldeia. As lágrimas corriam tão abundantemente por sua face, que mal podia enxergar o que estava ao seu redor.
- Só há uma forma de salvá-la. Deixe minha alma tomar teu corpo, e seremos um só. Vá ao inferno e resgate Nina. Provavelmente encontrará também tua alma por lá.
Baixou a cabeça e lembrou do pacto que havia feito com Isabeau anos antes. No leito de morte de seu pai, a maldita bruxa surgiu e fez uma proposta: pouparia a vida de seu pai se entregasse a ela sua alma. Ele aceitou. Não sabia que Isabeau, a colecionadora de almas, não cumpriria sua parte no acordo...
Seus pensamentos foram interrompidos novamente pelo sussurro do vento:
- Aqui teu nome é Lothar.
E assim o cavaleiro, então Lothar, abriu os braços e deixou a alma do vento tomar seu corpo, na comunhão que traria de volta Helena, que resgataria de vez sua alma...

aos trinta e poucos...

"Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis para um rapaz. Com efeito, uma jovem tem ilusões, muita inexperiência, e o sexo é bastante cúmplice do amor, ao passo que uma mulher conhece toda a extensão dos sacrifícios que tem a fazer. Lá onde uma é arrastada pela curiosidade, por seduções estranhas à do amor, a outra obedece a um sentimento consciente. Uma cede, a outra escolhe."

[Honoré de Balzac]

Uma homenagem a todas nós, mulheres na casa dos 30, que começamos a aprender a viver...


domingo, 17 de fevereiro de 2008

inclassificável...

Duas palavras para tentar classificar o inclassificável... Porém, não há como definir a vastidão dessa coisa que me assola o peito...

amor
a.mor
sm (lat amore) 1 Sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso. 2 Grande afeição de uma a outra pessoa de sexo contrário. 3 Afeição, grande amizade, ligação espiritual. 4 Objeto dessa afeição. 5 Benevolência, carinho, simpatia. 6 Tendência ou instinto que aproxima os animais para a reprodução. 7 Desejo sexual. 8 Ambição, cobiça: Amor do ganho. 9 Culto, veneração: Amor à legalidade, ao trabalho. 10 Caridade. 11 Coisa ou pessoa bonita, preciosa, bem apresentada. 12 Filos Tendência da alma para se apegar aos objetos. Antôn: aversão, ódio. sm pl 1 Namoro. 2 O objeto amado. 3 O tempo em que se ama. 4 Relações ilícitas, comércio amoroso. 5 Mit Divindades subordinadas a Vênus e Cupido. 6 Bot O mesmo que carrapicho, acepção 11. 7 V carrapicho-grande. A.-agarradinho, Bot: trepadeira da família das Poligonáceas (Antígonon leptopus), originária do México, muito cultivada nos jardins brasileiros com fins ornamentais. A.-crescido, Bot: o mesmo que cavalheiro-das-onze-horas. A. lésbico: o mesmo que safismo. A. livre: relações sexuais ou coabitação sem casamento legal. A. platônico: relação estreita entre duas pessoas de sexo oposto, sem realização de atos sexuais. A.-seco, Bot: o mesmo que carrapicho-de-beiço-de-boi. Pelo amor de Deus: usa-se quando se pede com encarecimento. Por amor à arte: gratuitamente, sem nenhum interesse. Seja tudo pelo amor de Deus: exclamação com que se manifesta conformidade ou tolerância com o impróprio ou com o desagradável. Ser do amor, gír: só quer saber de prazeres sensuais.

infinito
in.fi.ni.to
adj (lat infinitu) 1 Que não é finito, que não tem limites, nem medida. 2 Sem fim, eterno. 3 Muito grande em extensão, em duração, em intensidade. 4 Inumerável. 5 Gram V infinitivo. sm 1 O que não tem limites; o absoluto. 2 A idéia das coisas infinitas. 3 Gram V infinitivo. (A N.G.B. adota somente infinitivo.) Ao infinito: interminavelmente; sem nunca acabar, sem fim.


não sei se sei...

Eu não sei se sei amar, não sei se sei dançar, não sei se sei fazer outra pessoa feliz.
Mas eu quero aprender. Quero aprender com o amor, quero rir quando der o passo errado, quero a felicidade da esperança e das tentativas com brilho nos olhos.

"Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Qua nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você"

[Tom Jobim e Vinicius de Moraes]


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

amargo...

As dores são amargas. Algumas palavras também.
Mas assim como as dores nos ensinam lições que sorrisos deixam passar despercebidos, as palavras duras nem sempre são por desamor, descuido ou indiferença à dor. São demonstrações de afeto, preocupação, zelo. E eu não sei zelar sem ser dura. Eu não sei medir. Eu não conheço o meio das coisas.
Sou de extremos. Sorria se eu exagerar. É minha forma de dizer que amo. É sempre melhor pecar por excesso. Nunca por descaso.


o jardineiro fiel...

O jardineiro psicopata fazia a poda com um machado. Não cabia discutir seus métodos; muito pelo contrário, achava interessante a forma como cuidava de meu jardim, pois independente das ferramentas que usasse, sempre floriam nele lindas rosas brancas que ele me trazia à noite. E ele mastigava as pétalas (as minhas, vermelhas) com uma fome sem igual.
Hoje já não espero mais serenatas de trompete. São rosas brancas catadas pelo jardineiro fiel e músicas cantadas em sussurros ao pé do ouvido que fazem minhas noites felizes. Especialmente felizes.


Ninon...

A noite caiu e trouxe consigo o silêncio dos campos, o barulho do mato. Podia-se ouvir o riacho correndo nos fundos e o sibilar de animais noturnos. O assobio da chaleira irrompeu o silêncio da velha cabana. O chá estava pronto.
Imerso em pensamentos estranhos sobre a humanidade, imaginou que aquele seria o lugar mais adequado para se viver, exatamente por ser longe do que chamavam civilização.
Ouviu-se um barulho à porta, algo semelhante a arranhões. Apreensivo, caminhou lentamente pela sala à meia-luz, buscando com os olhos algo com que pudesse se defender. Mas o barulho havia cessado.
O silêncio foi novamente instaurado, cortado apenas pelo som da água que corria. Encostou o ouvido na madeira velha, tentando identificar algum som vindo de fora. Nada.
Abriu a porta lentamente, e, em meio ao escuro da noite, lá estava ela, agachada junto à escada, acuada feito um animal perdido, suja e descabelada como uma selvagem.
Surpreso e assustado, perguntou-lhe o que fazia ali. Em resposta, apenas um aceno negativo com a cabeça, como se não pudesse falar. Estendeu-lhe a mão e a convidou para dentro da casa, mas ela recuou. Sentou-se então no chão, esperando que ela se sentisse mais confiante e deixasse que se aproximasse mais. Passaram horas assim, em silêncio, olhando o outro, analisando. Ela levantou-se e passou por ele tão rápido que seus olhos mal puderam acreditar. Quando olhou para dentro, lá estava ela, quieta, analítica, junto à lareira. Entrou e fechou a porta, podendo enxergar melhor aquele animal no corpo de mulher. Tinha olhos brilhantes e grandes, rasgados, num castanho quase transparente, semelhantes aos olhos de um felino. A boca era pequena, saltada, carnuda, bonita. As unhas, longas e negras. Estava quase nua, envolta em trapos, suja de sangue, como se tivesse atacado ou sido atacada. Não duvidava que aquela criatura tivesse destroçado alguém ou alguma coisa com os próprios dentes. Seguiu em direção ao banheiro e buscou uma toalha limpa. Ela o seguia, mantendo uma certa distância, observando cada gesto, cada passo. Ficou quieta no canto do banheiro enquanto ele enchia a banheira de água morna para que ela se lavasse. Antes que ele pudesse sair do banheiro, ela despiu-se e entrou na água, soltando pequenos gemidos, quase miados. Ele tentou não olhar, mas não pôde evitar. Era a visão do paraíso - ou talvez do inferno - aquela criatura, a mistura de mulher e bicho, um felino talvez, banhando-se daquele modo: ela lambia as mãos molhadas, como se estivesse lavando seus machucados, exatamente como os animais fazem. Seria hipócrita se negasse que aquilo o excitava. Era estranho, diferente, e mesmo assim, sensual demais.
Dirigiu-se de volta à penumbra da sala e tentou desviar os pensamentos. Indagou, então, de onde teria surgido aquela mulher, o que teria acontecido com ela. Antes mesmo que ele concluísse alguma coisa, ela surgiu, nua, ainda molhada, e deitou-se no tapete, ao pé do sofá. Logo adormeceu, ronronando feito gato que está sendo acariciado.
Ficou pasmo, sentiu pena, não sabia se a deixava ali ou devia colocá-la na cama. Sentiu medo que ela o atacasse ou se apavorasse. Achou melhor deixá-la ali. Buscou uma colcha e a cobriu.
Só então foi para a cama.
Deixou um lampião aceso na cabeceira. Custou a dormir. O sono era leve como as sestas das tardes, e os sonhos não passavam de pensamentos embaralhados dos que ainda não caíram nas graças de Morfeu. Virou para o lado e assustou-se ao ver que ela estava ali, em sua cama, sentada e olhando enquanto ele se revirava entre as cobertas. Pulou, sobressaltado. Mas ela sorriu. E começou novamente a lamber os pulsos e as costas das mãos, num verdadeiro banho de gato, enroscando-se entre as cobertas e esfregando-se em suas pernas. Ele, perplexo, não conseguia se mover. Achou que estivesse sonhando, a excitação e o medo tomaram seu corpo num assalto à sanidade.
Mas foi quando ela sentou em sua coxa, esfregando o sexo nele, que deixou o medo de lado e rendeu-se ao animal no cio. A mulher parecia um gato, mas era mulher, mais mulher do que jamais houve igual.
Ela levantou-se e sentou novamente no colo dele, dessa vez encaixada em seu sexo, gritando, gemendo... Ele, instintivamente mordeu-lhe a nuca, fazendo com que ficasse presa por ali também. Eram então, dois animais.
As unhas foram cravadas nas coxas e deixaram marcas de arranhões profundos por onde passaram. De quatro na cama e com o quadril empinado, ela estava totalmente entregue, e o macho, engatado nela e com caninos à mostra, também a arranhava e mordia e marcava e lambia. Eram dois iguais e desejavam ser um só: um corpo, um gozo único, simultâneo.
E gozaram. Os corpos abandoram-se e repousaram nos lençóis molhados.
- Ninon. Pode me chamar de Ninon.

Ele não quis entender nem perguntar de onde vinha ou o que tinha acontecido.

Sabe-se que depois daquela noite, a mulher com olhos de gato usou uma gargantilha com o nome Ninon gravado nela, qual coleira.

Ninon, a onça, havia sido domesticada.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

os beijos...

Quero os beijos, todos, profundos
sem fim, sem começo, nossos
beijos que não demos, beijos que daremos
beijos que sonhamos, beijos que queremos
os beijos, enfim, os beijos.

Os beijos de línguas e dentes
beijos que arrancam da boca o sangue
beijos que pulsam nas veias
beijos trançados, beijos crescentes,
os beijos, enfim, os beijos.

E no dia em que a morte chegar
e os olhos cerrarem na escuridão
esqueça a dor, a morte, o pejo,
não fala, me cala, respira
coloca tua boca na minha
e me enche de amor com teus beijos.


o verbo no infinito...

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...

[Vinicius de Moraes]

o horizonte...

O dia amanheceu com raios de sol entrando timidamente pelas frestas da janela. Havia resquícios da batalha invisível por todo canto do cômodo. O corpo todo doía. A cabeça pesava. Como era difícil absorver a dor alheia. Mas sabia que era necessário. A vida despontava diferente no horizonte, mesmo com a neblina que ainda encobria o sol daquela manhã.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

a mão do diabo...


Pro inferno com os falsos moralistas! Os que se levantam e bradam e acusam são aqueles que realmente precisam de piedade e perdão. Tenho pena de todos!

Ajoelhem-se e dêem graças, gritem em seus rituais hipócritas! Vistam-se de bons moços e meninas recatadas! Os bons moços procuram a piedade osculante das bocas das putas nas escadas dos edifícios, e as mocinhas sonham com os cafajestes que hão de deflorá-las. Mentiras são descobertas e máscaras caem.
Finjam as vidas perfeitas, rezem após a perfídia. Apertem o cilício nas coxas e sangrem.
A mão do diabo toca até mesmo os bons.


nem todos os finais são felizes...

Ele olhava triste as fotos do passado. As imagens amareladas de sua infância faziam inundar os olhos de saudosismo salgado.
As paredes ao seu redor já não eram mais tão brancas: estavam tão encardidas quanto as velhas fotografias.
Pelo chão, caixas com os restos das refeições encomendadas dos dias anteriores. Na mesa, caixas com recordações do passado. Lia as velhas cartas e sentia o peito transbordar, a garganta queimar, os olhos arderem. Viu as fotos de sua companheira de anos. Sorriu. Tinha sido uma companheira fiel, dedicada, amorosa, mas as diferenças pesaram mais que o amor e então ela o deixou. A separação não foi tão dolorosa. De certa forma, ele esperava o dia em que a companheira não suportasse mais a sua gravidade, o seu desejo de liberdade. Depois de tantos anos, viu-se sozinho novamente. Talvez tivesse falhado em dar o amor que ela necessitava, talvez a amasse de uma forma diferente do que ela desejava. Talvez não fosse nada disso. Talvez ela tivesse cansado de se doar tanto a ele.
Aquele era um momento de reflexão, de análise. Tentava buscar respostas para as perguntas que fazia a si mesmo, no meio da sala vazia. O silêncio era ensurdecedor.
Em cima do sofá, uma outra caixa. Pequena, preta, coberta pelo pó dos anos. Sentou-se e a pôs no colo. Passou a mão pela tampa, removendo a poeira pesada que havia se instalado ali. Sentiu o pulso acelerar quando lembrou do conteúdo. Observou por alguns instantes a pequena caixa e apertou os olhos, contendo o choro. Precisava olhar o que havia ali, mas tinha medo de ser tomado de assalto por velhos sentimentos.
De olhos ainda fechados, abriu lentamente a caixa. E lá estava tudo o que lhe fizera feliz muitos anos antes: outras fotos, outras cartas, pequenas agendas feitas de diário, outro rosto. Não conseguia mais conter as lágrimas, e elas corriam desatinadas pelo rosto, molhando os papéis comidos pelas traças, manchando algumas letras escritas a nanquim e bico de pena. Aquele amor o havia consumido, havia tirado seu sono tantas e tantas vezes, o havia feito chorar. Aquela caixa era o seu segredo, seu romance proibido e infiel, uma vida paralela dentro de sua própria vida. Era o jardim de rosas brancas prometidas entre os lençóis sujos de gozo, a felicidade desmedida e louca da juventude, a felicidade que apavora os mortais. As convenções separaram o que os deuses temiam tocar. Ainda podia lembrar da tarde chuvosa em que disseram adeus. Aquela ferida nunca havia cicatrizado, o coração havia ficado menor, com uma porção inoperante. Optou pela segurança, pelo tempo, pelo certo. E deixou para trás os gemidos insanos e as noites de lua cheia. Deixou para trás a alegria sem cercas. E o verdadeiro amor.
Céus, há quanto tempo não via aquele rosto? Levantou-se e vasculhou todas as outras caixas, agendas antigas, cadernos de anotações. Não adiantava. Não estava mais lá.
Buscou o nome completo e procurou na lista telefônica. Não havia registro. Talvez ela tivesse casado, mudado de nome, mudado de país. Aquele pensamento atravessou o peito feito uma adaga. Lembrou de uns dois nomes de amigos em comum daquela época. Conseguiu localizar um deles na lista. E ligou.
O outro demorou a reconhecê-lo, mas pôde ajudá-lo a encontrar a informação que precisava. Tinha um número de telefone, mas disse que havia dois anos que não se falavam. Não sabia dela naquele instante.
A conversa foi rasa e rápida. Agradeceu e desligou. Olhou o papel com o telefone por minutos intermináveis, sem saber o que diria, o que perguntaria. Muito tempo havia passado. Sentiu medo.
Abriu uma garrafa de conhaque e sentou no chão, ao lado do telefone, com fotos dela na mão. Precisava se acalmar, controlar o tom de voz. Pegou o fone várias vezes e voltou a colocá-lo no gancho, ensaiando o que diria. Estava ansioso, excitado, nervoso.
Enfim, a coragem. Discou o número e uma voz feminina e jovial respondeu do outro lado da linha. Perguntou por ela e a moça disse que ela não morava mais lá. Fez-se silêncio.
- Onde posso encontrá-la?
- Quem está falando?
Novamente o silêncio.
- Um amigo. Um antigo amigo.
- Há quanto tempo vocês não se falam? perguntou a moça.
- Há muito tempo. A vida inteira.
- Desculpe, acho que não posso ajudá-lo.
- Por quê?
E foi então que a voz da moça ficou embargada, quase rompendo em pranto.
- Ela foi embora.
- Pra onde?
- Posso dar o endereço, mas você não conseguirá falar com ela.
- Por favor, preciso entrar em contato com ela. É urgente e eu...
Antes que ele terminasse a frase, a moça completou:
- Leve rosas. Mamãe gostava muito de rosas brancas. No epitáfio, ela pediu aplausos e rosas brancas de um tal jardim secreto. Só ela sabia o que isso significava.


quase...


"Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance. Para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."

(Autoria atribuída a Luís Fernando Veríssimo, mas dizem ser de Sarah Westphal Batista da Silva)


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

pensamento corrosivo...

Estava prestes a falar das noites que me consomem. Mas todas as noites me consomem, de um jeito ou de outro.
O que me mata mesmo é ir dormir e ser engolida pelo vazio da cama, porque simplesmente você não está por perto.
Isso sim, me faz querer chorar.
O que me resta? Esperar a noite passar, olhando o céu pela janela, deitada na cama vazia, desejando que as nuvens afastem-se um pouco para que eu possa ver estrelas...

E a música da noite... (porque toda noite tem uma...)

Amor de Índio
[Beto Guedes]

Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar

Tudo, viver a teu lado
Com o arco da promessa
No azul pintado pra durar
Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for e ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado, meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor

Lembra que o solo é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver
No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir teu calor e ser todo
Sim, todo amor é sagrado, sim.


domingo, 10 de fevereiro de 2008

sobre o amor...

A casa de campo. Mesmo quando a realidade me atropela, é lá que me escondo (em pensamento) e choro (de verdade).
Alice deve estar certa quando diz que coração é burro e amar é estupidez...

Mas o que posso fazer se sou uma estúpida incorrigível?

"Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?"

Carlos Drummond de Andrade


Evangeline...

"Evangeline, a louca." Era assim que ele e os amigos referiam-se a ela. Ela uma moça de comportamento extravagante, não havia como negar.
Não era o que se podia chamar de ícone de beleza; era pequena e robusta, de ancas largas e coxas e braços roliços. Mas Evangeline tinha o frescor das musas de olhos brilhantes e sorriso lúbrico. Rodopiava de braços abertos em dias de sol, esperando que alguma lufada de vento levantasse o vestido e ria, ria, ria como criança, gargalhava com as brejeirices de quem não era mais menina. E ele a tudo observava, maravilhado, imaginando que era justamente o procedimento estapafúrdio de Evangeline que a tornava tão atraente, diferente, realmente peculiar. Eram diversos, e mesmo assim, muito parecidos: ele era metódico e tinha a gravidade dos 30, apesar dos vinte e poucos; ela, aos 30, era desorganizada e escandalosamente apaixonada, como se ainda fosse a melindrosa adolescente de anos atrás. Mas quando se olhavam e enroscavam as pernas na rede, eram iguais: riam das mesmas coisas e gostavam do jeito que se amavam e beijavam. Faziam juntos música e poesia que ninguém entenderia, só eles.
Evangeline era louca ao ponto de provocar nele ereções em filas de supermercado ou banco, até mesmo sendo capaz de fazê-lo numa missa dominical, se assim desejasse. Fazia coisas inusitadas na cama, e quando ele achava que ela não poderia mais inventar nada, surgia algo diferente. Pedia para que ele a machucasse, para que a marcasse a dentadas ou tapas e depois exibia as marcas, triunfante, aos amigos. O que deixaria encabulado qualquer mortal, Evangeline mostrava com orgulho.
Evangeline chorava se ouvisse história de criança abandonada ou se visse borboleta que não pudesse voar, mas torturava formigas, arrancando-lhes as patinhas. Era doce e sádica, cruel e delicada. Evangeline era diferente do que se chamava de mulher.
Evangeline esbravejava desaforos a quem os quisesse ouvir e a quem os repudiasse também. Ria das reações alheias, gostava de escandalizar, de seduzir.
Evangeline era um anjo, uma rameira, era mil vezes ela mesma. Não tinha medo de nada. Ou quase nada: nas noites de chuva, quando Thor enfurecia-se, corria para o colo do amado e fechava os olhos, pedindo que ele cantasse canções que só eles conheciam...
Evangeline era uma menina. Aos trinta e poucos.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

a musa...

E a ninfa, divindade inferior dos bosques enluarados, dormia nua, aninhando-se em coberta de pêlos de lobo, delirando em leito de estrelas.
Ela era muitas: a combinação de Elvira Pagã, Safo de Lesbos e Simone de Beauvoir, mortal e imperfeita, musa de algum poeta perdido de amor.
E mesmo sendo mais mortal que os próprios mortais, era a personificação das contradições, sendo ainda divina e maldita, múltipla e única...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

o ataque dos vermes malditos...

Toda vez que lembrava do filme, imaginava que os tais vermes malditos, na verdade, eram enormes baratas mutantes sobreviventes do período cretácio (na verdade, surgiram no período Siluriano, há aproximadamente 400 milhões de anos) que estavam escondidas no centro da Terra, esperando o momento ideal para dominar o mundo.
Reza a lenda que em caso de uma tragédia nuclear mundial, as únicas sobreviventes seriam elas, as resistentes e cascudas baratas mutantes do inferno pré-histórico. O mais intrigante é imaginar que os pequenos e persistentes insetos serão o nosso futuro. Talvez sejam o nosso presente. Têm hábitos parecidos com os nossos: os machos são atraídos por feromônios sexuais emitidos pelas fêmeas, copulam por até uma hora (!), acabam se viciando em aditivos químicos, comem porcaria e vivem na merda.
Certa vez, depois de uma reunião com os diretores da empresa onde trabalhava, o sábio Franklin eternizou a frase: "Certos humanos são como baratas: servem apenas para fazer peso na superfície da Terra."

Começo a pensar que talvez nós, homens, sejamos os verdadeiros vermes malditos.
O mundo acabará em baratas!


verborrágica matraca...

Perguntas estúpidas merecem respostas idiotas, já dizia algum célebre impaciente. Infelizmente, preciso me incluir nesse humilde, porém interessante, rol de rabugentos.
Os desprovidos de juízo parecem sentir orgulho em perturbar a paz intocável dos ranhetas, desencadeando reações não muito agradáveis - nem delicadas - dos mesmos.
A minha verborragia nata permite que alivie as tensões por intermédio de palavras. As palavras escritas são as mais gentis, ainda que firmes e irônicas, pois permitem que haja uma avaliação enquanto são impressas. Já as palavras proferidas são fulminantes como raios em dia de tempestade (no mês de janeiro) no meio de um campo de futebol cercado de ávores. Isso acontece por dois motivos:

1 - Um raio é uma das mais violentas manifestações da natureza, e mesmo o menos potente é suficiente para matar, incendiar, ferir, destroçar estruturas;
2 - A distância entre o cérebro e a boca é ínfima: palavras saem mais rápido do que o olho pode piscar.

Levando em consideração o nível de estresse de uma criatura em dia de elevada pressão psicológica, tavez seja melhor poupar o pobre latim e os perdigotos, evitando atritos desnecessários e comentários estúpidos (as perguntas idiotas e as piadinhas infames também constam nessa vasta lista de proibições).

Resumindo: eu sou uma ninja (é ninja mesmo, a ninfa só aparece à noite) e as minhas habilidades orais são, na maior parte do tempo, letais.
(Se houver algum comentário com trocadilho infame sobre "habilidades orais", juro que perco o juízo. O pouco que ainda me resta.)

Ai, ai...
Falávamos sobre o que, mesmo?


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

continho erótico a quatro mãos...

Ela amanheceu junto com o novo dia, logo nos primeiros sinais do sol. Ele, preguiçoso, gostava de levantar-se apenas quando o sol já passava do meio do céu.
Olhou para ele e sentiu fome, com um sorriso largo iluminando o rosto. Aproximou-se lentamente, como um gato, e o o beijou suavemente, muitas vezes. Aqueles beijos que começam na boca e vão até a virilha. Ele, arrepiado, nem abriu os olhos para sorrir, imaginando estar no meio de um sonho. Crescia sem saber, e espiava com um olho, fingindo dormir, para ver até onde ela iria. Para provocar uma reação, ela parou com os divinos beijos, esperando que ele resmungasse e pedisse para que continuasse. Mas ao invés de um preguiçoso resmungo, saltou para cima dela e a beijou. Uma mão segurou a nuca e a outra buscou o sexo. Ele a beijava e a masturbava com a leveza de quem brinca com alguém que dorme.
Sentou-se ao seu lado na cama e a observou. Ela começou a se tocar, sorrindo. Os olhos pediram que ele fizesse o mesmo, e assim começaram a se provocar, testando os limites do outro. Ele aproximou-se e observou de perto, tão de perto que sua língua podia tocá-la entre as pernas.
Ela gemia e se contorcia com o toque macio da língua, aliada aos dedos. Parou por um instante e deitou-se de barriga na cama, enquanto ele alisava suas costas, descendo em direção aos quadris. Abriu suas pernas delicadamente, apenas o suficiente para que pudesse encaixar lá dentro. Deitou-se sobre ela, mexendo sem pressa, como quem sonha, entrando aos poucos. Chega perto e pergunta em seu ouvido com o que ela está sonhando, se é um sonho bom. Ela empina o quadril. As mãos dele a seguram por ali, crescendo devagar e mais fundo dentro dela. Ela se empina mais e mais e, num movimento, ele coloca tudo e pára inteiro no fundo, repousando, crescendo parado. Ela o massageava com o interior do sexo, apertando, sugando, latejando.
Ainda segurando seus quadris para que ela não se movesse, ele perguntou o que ela sentia no sonho. Ela responde que é um arrepio na espinha, um calor entre as coxas. O rosto cora e o pulso acelera. Ela abriu os olhos mas ele os fechou novamente. Fez com que ela afastasse mais as pernas e voltou a mexer.
Passou as unhas na espinha da mulher, subindo as mãos até alcançar os ombros, onde pôde segurá-la e aumentar o ritmo. Colocava fundo, mas sem pressa; forte, mas devagar.
Alisou os cabelos desalinhados que cobriam o rosto rosado, como se a estivesse ninando para dormir.
Sem agüentar mais, pediu para que ela o olhasse, para ver como ele estava acordado. E disse a ela que havia sonhado que estava em sua boca. Disse isso segurando seus cabelos, deixando definitivamente a leveza do sonho. Cravou fundo as unhas em suas ancas, para que acordasse de vez. Ela mordia o travesseiro e se empinava mais, e mais, e mais, dizendo que o amava entre dentes, com o rosto enfiado no travesseiro. Ela o sentia invadindo o meio de suas coxas, queimando o sexo. E ele puxava seu rosto para que ela o assistisse rasgando a carne. Ela sente que ele treme dentro dela e olham-se nos olhos. Os dele haviam mudado de cor.
E o ritmo crescia, a força aumentava. Os gemidos tornaram-se mais altos, quase gritos. O suor pingava nas costas dela e ele a puxava cada vez mais forte contra seu corpo.
Ele a segurava, apertava, arranhava, deixava marcas pelo corpo branco, dizia o quanto a desejava, o quanto a amava. Cavalgava como um louco, querendo gozar, gemendo desesperado.
E ela miava, chorava, ria. Queria gozar. Sentiu o sexo inchado e pulsando dentro dela, anunciado o gozo que vinha.
Gritaram e explodiram. Deixaram os corpos caírem juntos na cama, completamente aniquilados pelo orgasmo.
- E agora? Café ou banho?


os amantes...

Breves diálogos entre jovens almas apaixonadas:

01:20:18 (ela pergunta): Você não vai me convidar para dançar?
01:20:18 (ele responde): Não sei dançar, mas posso tentar não pisar nos seus pés.

02:43:43 (ele diz, excitado): Você é indecentemente deliciosa.
02:44:12 (ela responde, feliz): Adorei...

02:53:13 (ele diz, bobo): A cama é o segundo lugar do mundo melhor para se estar.
02:53:25 (ela pergunta, vermelha): O primeiro?
02:53:30 (ele responde, sorrindo): O primeiro é dentro da mulher que se ama.

E os olhos, os sorrisos, os corpos seguem fazendo confissões, entregues, sem perceber que os deuses observam, perplexos e satisfeitos. Definitivamente, não há nada mais bonito de se ver. Ou se ler.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

je suis Amélie...

Eu me chamo Amélie. Acabo de passar a noite com um velho decrépito que morreu enquanto fazíamos amor. Melhor, não fizemos amor: um coito, apenas. Existe palavra mais feia do que coito, senhor? Existe sim, fronha é muito pior. Mas enfim... Eu não tive culpa, juro que não sabia que ele tinha o coração frágil. Mamãe me dizia que os homens maduros eram os melhores amantes, mas não me advertiu sobre os riscos. Juro pela alma da minha pobre mãezinha que eu sou inocente! E ele parecia tão disposto, pensei que desse conta de mim. Nós bebemos, sim. Ele parecia bem, falava alto. Ahn? Não, eu não uso drogas, só as legais. Não, ele não me ofereceu dinheiro! Mas o que diabos o senhor está insinuando? Eu sou liberal, mas não sou puta! Ora, esses homens! Pois saiba o senhor que nós mulheres gostamos de sexo! E gostamos muito! Sim, tudo bem, os detalhes. Bom, não há detalhes. Foi tudo muito rápido. Uns dois minutos, talvez. Ele esteve em mim por apenas dois minutos e veio! O senhor acredita nisso? Ah, desculpe, mas foi o senhor que me pediu os detalhes. Isso, foi instantâneo: ele veio e foi! Foi embora. Morreu. Partiu para nunca mais. Assim mesmo. Bem assim. Não, não. Não mexi nas coisas dele. Está tudo aí. Se ele tinha família? Como vou saber? Acabamos de nos conhecer! Mais perguntas, inspetor? Posso usar o banheiro agora? Preciso me lavar. O gozo está secando entre as minhas pernas.

nocte...

Não há nada pior do que noites assim.
Essas noites vãs em que o sono não chega e a alma pergunta-se por onde a alma tem andado. Essas noites em que fechamos os olhos e precisamos abrí-los novamente porque o inferno parece abrir-se no chão do quarto e engolir tudo o que tem vida. Essas noites em que é melhor não sonhar, pois os sonhos devoram as almas felizes e deixam apenas as carcaças em seus frios leitos, onde suor e terror afogaram o sonhador. Essas noites em que a chuva apavora e o silêncio petrifica.

Essas noites em que a morte é rápida e repleta de sal, e se morre de novo, de novo, de novo...
Essas noites em que vejo o dia nascer.


domingo, 3 de fevereiro de 2008

e por falar em poesia...


José


Amor em palavras, desejos ufanos
Verbo, suspiros, delírio presente
no fogo que queima, divino, ardente
Calor, saliva, quereres insanos.

Vem, me afaga, me morde, me mata
pousa em meu colo teu gozo espesso
Atiça, amansa, revira do avesso
eu que derramo o riso e o pranto

Amor que se goza no toque e quer
tornar-se imortal no corpo, mulher
que cala, que fala, que vive de espanto
deita comigo e derrama teu canto
Dorme comigo e me ama, José.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Salomé, a puta mais cara do Moulin Rouge...

Salomé desabrochou para a puberdade aos 11 anos. O corpo começava a tomar formas que chamavam atenção de olhos masculinos. Até mesmo os de seu pai. E assim foi traçado o destino de Salomé.
A pequenina cidade de interior escondia segredos em suas esquinas, segredos de famílias, segredos que são levados para o leito de morte. Com Salomé e sua família não seria diferente.
Aos 11 anos, Salomé não entendia certas coisas que aconteciam à sua volta, principalmente as coisas que aconteciam na ausência de sua mãe. Seu pai, homem grande e de feições duras, porém belas, não resistiu aos encantos que surgiam com o alvorecer da puberdade. Tocava a pequena Salomé, e a felação seguia pelas tardes em que a mulher saía para as compras. A menina sentia nojo e culpa, medo e revolta.
Aos 15 anos, Salomé já era quase mulher. O corpo tornara-se alvo dos desejos mais indecentes de todos os homens da cidade. E sua mãe começava a desconfiar dos olhares que o marido lançava à guria.
Numa tarde quente de março, Salomé refrescava-se no quintal de casa, quando sua mãe saiu para fazer compras. E, não diferente de todas as outras tardes desde seus 11 anos, seu pai a procurou. Desejava a graça osculante da boca de Salomé. Ela chorava, e dizia que não podia porque sentia sede, porque precisava de água, e chorava, chorava. Ele tentava segurá-la pelos cabelos e ela, pela primeira vez, reagia.
Em meio à resistência da pequena, o retorno da mãe. E o escândalo. A mulher surrou a filha, acusando-a de ter seduzido o pai, xingando-a dos nomes mais bárbaros, indiferente à dor e aos anos de sofrimento mudo de Salomé.
E foi assim que decidiram (mãe e pai) colocar a menina para fora de casa. Logo na manhã seguinte, ordenaram que um empregado a levasse para a cidade vizinha, a um lugar chamado Moulin Rouge. Nem de longe era a Moulin Rouge de Montmartre, era apenas um puteiro luxuoso no interior da Bahia, onde velhos coronéis divertiam-se e bebiam todas as noites.
Salomé chorou a viagem inteira: chorou por não ter encontrado abrigo nos braços da mãe, chorou pela mentira que o pai sustentou, chorou pela culpa que não tinha.
Chegando à cidade vizinha, a pequena foi largada à porta do Moulin Rouge, com um bilhete que deveria ser entregue à dona do estabelecimento. O empregado deu as costas e tomou o caminho de volta.
Uma simpática senhora surgiu em um robe vermelho de seda e, admirada com a beleza da menina, ofereceu-lhe abrigo sem pestanejar.
Apesar da vida confortável e da boa educação que tivera, Salomé jamais havia estado em ambiente tão refinado. Olhava ao redor, assustada, com o rosto inchado de quem chorava há 4 anos.
No primeiro ano de sua estada, Salomé apenas observou o movimento noturno do lugar, podendo transitar livremente entre as putas e os coronéis, sem que tomasse parte de nada. Os velhos, enlouquecidos com a jovem e fresca Salomé, faziam ofertas ricas à dona do bordel. Alguns queriam apenas tirar-lhe a virgindade, outros queriam comprar o direito de poder tê-la, exclusivamente, todas as noites. Mas a velha senhora recusou todas as propostas.
Prestes a completar 18 anos, Salomé decidiu fazer parte daquilo tudo. Ofereceu o corpo e os serviços à sua protetora, como forma de agradecimento pela acolhida. No fundo, o que Salomé desejava era vingar-se da figura do pai, entregando-se aos velhos, deixando que eles tivessem o que ele nunca pôde tomar, fazendo com que todos estivessem a seus pés e a adorassem como a uma divindade.
E houve a primeira noite. A inocência encardida de Salomé foi tomada pelo maior lance em moedas.
Os anos correram rápidos e rasteiros e Salomé tornou-se a puta mais cara do Moulin Rouge. Era celebridade. Era a mais bela de todas. Tornou-se a mais habilidosa, a mais especial. Enriquecera a velha dona do bordel - que agora chamava de mãe - e vestia-se das sedas mais finas, perfumava-se com as lavandas mais caras. Seu quarto era só seu, já não dividia mais com as outras moças.
Aos 30 anos, por ocasião da morte da cafetina, Salomé tornou-se dona do Moulin Rouge. Continuava sendo a mais cara, a mais procurada, aquela que punha de joelhos os decrépitos e ricos coronéis. Mas até então, não sabia o que era amar um homem.
Mais uma noite caiu e Salomé desfilava em meio aos clientes forçando sorrisos que não sentia. Estava cansada. Viu aproximar-se o seu primeiro cliente, aquele que havia comprado sua virgindade. A seu lado um jovem rapaz que deveria estar em torno de seus 20 anos, encantador, com os olhos verdes mais belos que já havia visto. O velho senhor o apresentou a Salomé como seu filho. Os olhos encontraram-se e, pela primeira vez, Salomé sentiu o peito aquecer e o pulso acelerar. Sem ouvir o que o velho dizia, Salomé estendeu a mão ao jovem rapaz e o conduziu aos aposentos que ficavam no andar superior.
Sozinhos, perderam-se entre os lençóis. Salomé dançava na cama, matando a fome do jovem, ensinando o que havia aprendido no decorrer dos anos. Ao mesmo tempo, o rapaz a ensinava lições que nunca havia tomado antes. Estava ensinando Salomé a amar.
Salomé estava feliz. Aquele seria seu último cliente.