EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 1 de julho de 2007

conto (parte I)...


Mais uma vez, nossa protagonista espera demais, deseja demais, olha pela janela da torre buscando algo... e resolve pular. Das outras vezes hesitou e recuou. Desta vez, a pequena Helena sentou-se no parapeito e olhou para baixo. Colocou as pernas para o lado de fora e sentiu que a descida seria longa... "O que havia lá embaixo?", pensou Helena. Fechou os olhos e lembrou da lua, lembrou da história da princesa Letícia que adoeceu porque queria a lua. Nem o Feiticeiro Real, nem o Matemático Real, nem o próprio rei, nenhum deles pôde dar a Letícia o que ela tanto desejava. Mas o bobo-da-côrte solucionou o problema. Isso fazia Helena pensar que as soluções dos grandes problemas estão nas coisas mais simples, bem diante dos olhos. Quase sempre.
Ainda de olhos fechados, pulou. Sentia o ar contra o corpo em queda livre... Pensou que fosse morrer... Viu toda a sua vida diante de seus olhos... Nada parecia ter a intensidade que imaginou que tivesse antes. Helena chegou ao fundo.
A relva era macia e cheirava bem. Helena pensou que tivesse morrido. Talvez aquele fosse o paraíso. Ou talvez, o inferno. Mil braços estenderam-se em sua direção, como um enorme polvo agitando incessantemente seus tentáculos. E nossa pequena deixou-se tocar por todos eles, corpo e sentidos entorpecidos pela queda, pela morte, ou pela vida - talvez agora Helena começasse a viver. A cada toque, uma golfada de sangue...
Helena precisou morrer... para começar a viver.

o nascimento de Nina...

"Nina... Nina..." - Helena abriu os olhos e a claridade a cegou por alguns instantes... Aos poucos percebeu que estava novamente só. Mas... de onde vinha a voz? "Nina..." Novamente ouviu aquele nome sussurrado por entre as folhas das árvores, e sentiu que seu corpo estava dormente, como sob efeito de algum entorpecente...
Levantou-se e olhou ao redor. Não havia alma alguma por perto. Os galhos bailavam ao vento uivante e morno daquela tarde. Seria realmente tarde? Não sabia há quanto tempo estava ali, nem onde estava, mas a sensação era algo diferente. Estaria morta?
Caminhou em direção à claridade que estava a sua frente, vagarosamente, tentando reconhecer o lugar. Os pés estavam úmidos e frios. O som do vento fez com que desejasse deitar novamente, sentia como se alguém tocasse seu corpo e chamasse seu nome, mas sabia que não era Nina... como poderia o vento seduzí-la sussurrando um outro nome?
Rendeu-se às carícias da brisa morna e espalhou-se na relva, fazendo-se amante do vento. Seus cabelos emaranhavam-se entre flores e folhas espalhadas pelo solo, as vestes levantadas até a altura dos quadris, revelando as coxas alvas e os pêlos eriçados. Seus olhos cerraram-se e seu colo saltava; suas mãos arrancavam punhados de terra daquele chão e sua boca entreaberta soltava gemidos e palavras que ela nem mesmo sabia o que significavam... Seu ventre foi tomado pelo vento, que com toda sua suavidade, preencheu o vazio que Helena sentia na alma. Uma rajada forte balançou violentamente os galhos das árvores e um grito fez-se ouvir por todo o lugar. E novamente o silêncio e a calmaria foram instaurados.
Helena abriu os olhos; sorriu. Passou as mãos pelos cabelos e murmurou: "Nina... Meu nome é Nina."
E assim nasceu Nina, a amante do vento...


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