EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

sobre o aniquilamento e os insultos de amar

Arrasto meu desejo pra esse teu canto distante das minhas coxas, das minhas enfermidades, da minha febre. E me interessas, me intrigas, me atrais, me confundes. Afogo meus apetites no fundo da tua meia garrafa, na borda do copo que tocaste com os lábios, e minha loucura quer te abraçar até a morte. Grito para que nossos fragmentos se unam e nossos remendos não sintam mais as dores de qualquer vazio que se apresente.
Sê obsceno. Canta em minha língua impropérios, desepeja-me teus insultos de amar. Sê fraco. Mostra-me teu lado gasto. Sê morte e dissipa minha angústia, meu medo que o mundo termine nesse abismo imaginário e espacial, sem que possa amanhecer infalível no tormento de teus transbordares, na calmaria dos teus abraços. Embriaga-me e me consome. Aplaca meu desejo hemorrágico e fatal de que me aniquiles à margem do mundo.
Aniquila-me.

sábado, 20 de julho de 2013

resposta ao aprochego

e se entre as partes
houver fome
que se devorem
cruéis criaturas
de chãos e outros vícios
prazeres roubados
de minúcias
e pequenos tilintares
entre as partes
- entreolhares.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

about lightness

“When we want to give expression to a dramatic situation in our lives, we tend to use metaphors of heaviness. We say that something has become a great burden to us. We either bear the burden or fail and go down with it, we struggle with it, win or lose. And Sabina - what had come over her? Nothing. She had left a man because she felt like leaving him. Had he persecuted her? Had he tried to take revenge on her? No. Her drama was a drama not of heaviness but of lightness. What fell to her lot was not the burden, but the unbearable lightness of being.”
- Milan Kundera, The Unbearable Lightness of Being

terça-feira, 4 de junho de 2013

das cartas de amor que quase escrevo

Deveria te escrever uma carta de amor. Uma carta mesmo, de páginas de caderno com pauta, folha escrita frente e verso. Dessas que a gente guarda por anos e se emociona toda vez que lê. Dessas que, ao final da leitura, trazemos pra junto do peito com lágrimas nos olhos. Uma carta longa no lugar dos bilhetes. Eu pulverizo meu amor nos bilhetes, mas precisava mesmo era encher teus olhos - e teu peito - dessa imensidão que sinto. Preciso dizer tanta coisa, mas no final parece que nunca encontro palavras que digam exatamente o que quero, cheias dessa coisa diferente que você me faz sentir. É como se você me engravidasse o tempo todo, como se me fizesse um filho a cada beijo, a cada sorriso, a cada suspiro colado na minha boca. Sim, eu acho mesmo que você me engravida. Eu me sinto fértil tempo integral, tonta, eu derreto pelos cantos e meus olhos brilham como os de uma adolescente. Sinto friozinho na barriga quando está na hora de você chegar. Meu coração dispara quando alguém passa usando o seu perfume. E o teu jeito de me olhar sério quando sente saudade me causa uma comoção indescritível, como se eu também pudesse estar ao mesmo tempo dentro e fora de você. Nós fazemos pactos de amor em silêncio, e aí eu percebo que as palavras não valem tanto assim. Eu entendo melhor quando você me beija e me expresso melhor quando estou enfiada em tua cama. Então é isso. Talvez eu te diga pouco porque te digo muito mais quando não falo. Talvez por isso te escreva apenas bilhetes - porque todo o resto eu te digo em carinhos.
 

terça-feira, 7 de maio de 2013

do inferno das manhãs de terça

Enquanto eu despia os pensamentos às 8 da manhã, o mundo me olhava impaciente, como se eu houvesse maculado a existência do dia azul. Não que alguma chaga me consumisse por fora, mas o que me corroía internamente estava tão explícito que fazia sombrear. E havia um vão entre mim e o resto do dia, como se não pudesse anoitecer. E ao invés de carros e passantes havia paredes e quadros que sangravam, vozes debochadas e papéis amarelados. E eu gritava pelo avesso, muda, alucinada pela rouquidão inaudível que tanto amava. Unhas rasgando as paredes ásperas - sangrando os dedos com as lascas de tinta gasta. O gosto azedo que me subia a garganta era imaginário mas o queimor era real - incendiava-me o corpo inteiro, debatendo-me e me estilhaçando à margem da loucura que me visitava às terças - porque a extravagância gosta das manhãs de terça. E nada ao redor podia conter a demência que pulsava alucinada desde os lábios, porque a boca tremulava débil e repleta de palavras sujas e cretinices incontidas.
E eis que ele surge no meio do nada, como se parido do inferno aberto no asfalto quente. E sem que eu dissesse coisa alguma, ele me beijou os olhos.
 

terça-feira, 30 de abril de 2013

dos silêncios compartilhados em lugares públicos

Descobri no meio dessa minha bagunça errante o teu silêncio. Foi mais silêncio que tudo, confesso. Porque eu não precisava que me dissesse muita coisa ou que me fizesse falar. E os nossos silêncios se encontraram na mesa do almoço, enquanto eu tentava engolir a comida que nem tinha gosto. E eu me sentia um pouco fria, um pouco morta. E vestia aquela saia estampada que você tanto gosta. E me lembro que não conseguia te olhar, que falava baixo olhando a comida que não me apetecia tentando conter o choro. Sentia uma aspereza estranha por dentro. Conseguia ouvir melhor a conversa das outras mesas do que a minha própria voz. Não sei de fato se você conseguia entender tudo o que eu falava - que foi bem pouco, na verdade - mas o fato é que você estava lá. Não me analisou. Não tentou salvar minha vida. Não me prometeu uma cura milagrosa pr'aquela dor estranha. Simplesmente estava lá e nem queria ser notado. Dava meios sorrisos toda vez que meus olhos se levantavam em sua direção. Eu pensava, honestamente, que estava tão fodida da cabeça que talvez você não conseguisse achar muito sentido no que eu dizia, porque eu parecia sem sentido até pra mim. Eu precisava exatamente de um silêncio compartilhado de cumplicidade velada. Fez sentido - tudo fez sentido. E te amei ali, na calmaria no meio da multidão.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

dos gostos de quando me beija o mundo

Gosto da tranquilidade da tua voz. Gosto do cheiro que me deixa na camisola mesmo três dias depois de ter estado na tua cama - porque teu cheiro mora em mim, em cada canto da minha memória. Gosto do teu desejo de me fazer um filho. Da tua vontade de me machucar quando diz que me ama, quando me olha como se quisesse me engolir viva - de como me engole viva. Gosto do teu disfarce de calmaria. Gosto dos dias que estão por vir. Do roçar da tua barba nesse espaço entre meu nariz e meu lábio superior, dos seus dentes na minha pele. Do gosto que me deixa quando me beija o mundo.

sábado, 13 de abril de 2013

meios felizes sem happy end


Dos destroços atravancados pelo caminho, surgem-me doçuras de dias passados. A cor indecifrável que te pintava os olhos. A morte inesperada - afinal, quem espera a morte? As danças prometidas em bailes mudos. A paz remoldada em turbulência arredia e salgada. Porta-retratos virados para as paredes encardidas da memória. Os dias ensolarados de saudades e presenças. O mar revolto. As tempestades sequestradoras de sonhos bonitos - porque o mau tempo eventualmente é algoz de alguma beleza azulada. Uma história bonita sem happy end. Nem toda história precisa de final feliz pra ser contada pelo tempo que a memória permitir. Porque sempre fomos criaturas mais de meios do que de fins. Inteiras enquanto estivemos lá. Prontas a continuar [inteiras] - outras histórias. Ponto final.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

untitled

i see myself melting into a dark river of lust and poetry
as my tongue dances around like a thousand crows
and my soul gets darkened by your misty eyes
going round and round my skin
while the abyss - the sweet rotten abyss - spoils broken rhymes
so that whispers, vows and promises become necessarily unspoken
as the day dies into your lovely lips
as love fades like dust in your weirdest dreams
and i fall from an unknow sky to reach our private hell
and to grab your entrails
to devour your will
your power
your words
and make them all mine
to find death
and in death
find that i am alive.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

dos infernos que nos beijam em manhãs nubladas

Por trás daquela neblina que cobre o verde dos morros nesta estranheza matinal há um silêncio revelador. Revela-me as coisas que não quero saber - minhas cegueiras propositais. Finjo-me inconsciente, ignorante, anestesiada. Beijam-me infernos minha fronte vermelha do sol que ainda não veio ao mundo. Toco fantasias e loucuras em notas lamuriosas no menor violino já visto. Ensino-te aquela dança - e tens dois pés esquerdos. Não te prendo porque não sou real. Sou uma projeção intermitente de teus medos e desejos, feito manhãs nubladas que se arreganham em sol. É azul este teu céu? É real teu falar de homem maduro? Sou teus pensamentos sombrios de amor. Tu não sabes se existo, mas me amas em silêncio. Tu me amas só pra ti, em tua cabeça racional e teu peito dilacerado. Sabes a profundidade de meus olhos e meus cheiros através de teus sentidos imaginários - adivinhação. Por isso lambo teus infernos - sou os dez infernos escondidos atrás daquela árvore grande. E refugio minha insanidade na tua - mas de que jeito se de fato não existo? Sou a linha tênue entre tua saliva e a carne que te faz salivar. Sou nós dois. Sou tuas mazelas. Tuas intrigas. Teu desespero. Tua rigidez. O gozo. Teu desejo mundano.
Sou nós dois. E existimos apenas dentro de ti.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

dos mistérios que guardam os seios

por dentro deste par indecifrável de delícias
sinto o surdo dar ritmo aos desejos que sente a carne
tua ânsia de que revele um pouco mais da pele
do colo que se anuncia antes da nudez
- porque me sabes nua antes que meus pés toquem o chão frio -
e mesmo que deslize mistérios em tua direção
tua virilidade me assalta
antes do tempo
e o tempo suspende a respiração
e o resto ao redor do mundo
ouves apenas o bater do surdo
trovões a me invadir o peito
e sentes nas palmas de tuas mãos - por baixo da pele macia
a tempestade que se forma aqui dentro
quando tuas mãos grandes me [des]cobrem os seios
e então não há mais segredos - talvez um punhado de mistérios
que tentas absorver com a boca quente no meio desse monte
- ora marmóreo, ora dourado -
cobrindo perfeitamente o ponto rosado que sorri pra ti
tragando inteiros alma e pensamentos e calores
eletrificando outro ponto ao sul - origem do mundo -
onde desaguam os desejos.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

do ódio

De repente sinto ódio. Ódio de coisas, de gente, de momentos que não posso apagar. Ódio de me sentir impotente. Ódio de estar onde estou. Um ódio tão imenso, tão desfigurante, que mal me reconheço diante do espelho. Quero que o mundo acabe e recomece. Que todo este mal seja extirpado, feito ervas ruins e vícios. Quero enviar o que me causa repulsa pro inferno. Quero distância de julgamentos tortos e infâmias. Quero só meu sossego de volta, os dias azuis, as flores na janela, os poemas bonitos. Tudo o que me fazia sorrir.
Agora o que sinto é que preciso me reencontrar por dentro. Mapear o que de fato é minha essência. Mudar minha casa de lugar. Ser duas, três, um exército. Há como não perder a ternura? 
Não sei se há como não perder a ternura.

domingo, 27 de janeiro de 2013

do castanho vermelho dos meus olhos

entre minhas transparências mortais, gosto das espelhadas, dos reflexos dos meus olhos de castanhura terracota, porque meus olhos sangram e confessam meu caos emocional. meus olhos dialogam com tua boca, que fala com a minha através de semi-beijos, espaços entreabertos de quereres. toques não repletos de toques, antecipações de sentidos - pressentimentos. assim, tudo o que se passa fora dos olhos deixa de existir. estamos dentro. somos dentro - profundidades e desmesuras. teu hálito nas pálpebras faz sorrir meus olhos, que fazem projeções cartográficas de teus sorrisos. e na ressaca de meus olhos conto a ti o que não há de ter explicação. são apenas meus olhos, aquele louco par dissimulado de argila, aquela gravidade riscada - sanguínea. e o castanho vermelho conta tempo, segundos, saudades. conta histórias por vir - acalentos sussurros paixões.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

sobre o meu instinto de correr para teus lábios bonitos

meu instinto me arrasta para as bordas de tua xícara, onde aqueces tua boca. meu instinto é loucura que te pensa atrocidades amorosas.

instinto de te mastigar os lábios que mastigam os meus [todos]
morar no céu da tua boca quente

onde tua língua faz orações mudas

silêncios

e diminuir a distância triste no meio da quarta-feira nublada
abandonar meus recintos

dissolver teus detalhes em algo açucarado
mansidão feroz da minha carne - e não sabes o que tem a minha carne -
que também te provoca desejos
fome
desespero

onde nossos instintos se cruzam
- estômago.

instinto de correr para os teus lábios bonitos
que me contam pequenos mistérios
teus delitos de amor e outras guerras

onde hei de morrer - um dia - feliz.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

sobre as pulsações do medo

Apavora-me o monstro que sou quando sinto medo. Amedontra-me o ódio que dizes sabotar o desejo. Espanta-me a intermitência negra da neve que me cobre os olhos, que me repele e me mantém fundida à lava que me transborda. Medo dos dias gris que cobrem nossos rios e nos afogam em parcimônia, quando queremos maresia e turbulência. Medo das calmarias e das multidões que atropelam mundos. Da morte rasa - porque a morte precisa ser lenta e profunda. Da minha própria maldade. Das rouquidões contidas, da falta de voz. Do grito. De estar quando preciso ser. De ser quando só devo estar. Das praças vazias. Dos bancos de ônibus. Da distância. De muros com cacos de vidro. Do gosto que tem tua pele. Dos medos que não sentimos quando queremos morrer. Dos meus detalhes em tua boca. Do teu saber-me tua, infinitamente. Do infinito. Medo das intermitências do medo. Das pulsações loucas que piscam as luzes do caminho. De mim. Do teu pulso. Do teu medo da minha raiva. Da minha candura. Da obscuridade das minhas lacunas em teus lábios bonitos.
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

a ti, memória

Há um som que reverbera dentro do corpo. Um grito de memória. Um convite à dança em plena madrugada. Todos os segredos e os muitos nomes das mulheres que me habitam a carne. Porque sou todas essas [aquelas] que dilatam peitos, veias e gargantas. Sou de dilatar mundos, causar tempestades, amores, danos irreversíveis, desejos imundos, saudades loucas. Sou um lugar no tempo passado [presente?]. Uma praga de marcar peles, pelos e reticências, de marcar sílabas. Deixo-me macular pelos pensamentos de tuas vogais em meus ouvidos, pela música que me habita os poros, pelas indecências de cantos de livros - o que seria de nós se não pensássemos palavras sujas? Desfaço-me em ideias absurdas, em fogo líquido, em rosnares-grunhidos-arfares-poemas. Sou toda pecados. Sou não-esquecimentos. E tu, memória, és castigo. És desfiladeiro carmim repleto de cheiros. Tu, memória, carrega minhas vísceras em tuas mãos e te banqueteias com o que há no avesso de mim. Tu balbucias meus nomes entre teus dentes sujos de sangue, tuas unhas ferozes de amor. Dedico a ti, memória, meus risos, minha infâmia, meu choro.
 
Sou inteira saudades.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

línguas

entre papeis
esquecimentos
entrelinhas
entre lábios-vestígios
abismos
mordeduras
retorno escarlate
curvo, curvas
línguas.