EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

sobre a doença

Não sou pessoa frágil, dessas que adoecem a cada brisa fria recebida no rosto. Não, não sou assim. Não adoeço porque o corpo é fraco ou a imunidade é baixa. Não, não dessa forma: meu corpo é ótimo, minha imunidade idem (apesar de ser uma grande controvérsia se levarmos em consideração que meus hábitos não são os mais saudáveis).
O que me deixa doente - e muito doente - são as pessoas. O que me deixa doente é a falta de caráter. O que me deixa doente é o descaso. Nesse ponto eu sou frágil: meu corpo sucumbe às minhas ideologias, ao meu inconformismo, às minhas indignações. Meu corpo sucumbe ao "emputecimento" momentâneo com graves consequências. Meu corpo é uma máquina alimentada e lubrificada pelo espírito.
O que me deixa doente é essa raça que se diz superior e inteligente, que se mata por nada, que jura por nada, que mente por nada. Deixa-me doente o ar blasé de quem não tem chão, rumo, verdade, respeito. O que me deixa realmente doente são esses pequenos fantoches animados, porque na verdade, o mundo é um lugar muito bom de se viver.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

As mãos se fecham ao redor do pescoço
As pernas enlaçam o resto do corpo
prendem cintura, quadris, sexo,
escancaram o recato das coxas cerradas
no meio do mundo, no centro da cama
na curva escura
no canto de mim
para que cuspas fetiches e símbolos
em meu rosto, ouvidos, garganta
enquanto o falo vara a carne molhada
curra necessária ao macho em riste
dor necessária à fêmea em cio
negação à pureza ordinária
violação permissiva de pele e alma
teus dedos fechados, o ar que me falta,
o torpor ondulante do ventre em coito,
da dor - sofrimento - desabrochada
submersa, asfixiada,
da morte gozosa em sadismo desperto
teu orgasmo em minha dor -
paixão declarada.

poeminha Sáfico


Montes convexos
vales macios
ciclos complexos
que convergem em rios
de carne acolchoada
quente esconderijo
de língua, dedos e lábios
grandes, pequenos,
beijos de bocas de sexo
e bocas de face,
falo guardado
entre dentes guardados
entre rasgos vermelhos
de lábios pintados
dois pares de seios
dois pares de coxas
duas fendas no meio
unívocas loucuras
carnes crepitantes
salpicadas de orvalho
incendiário desejo
venusianas amantes
órfãs de Lesbos.


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Promessa

Nos teus dias de cansaço, serei tua companheira, tua amiga - mais que tua amante. Nos teus dias de cansaço, entenderei teu silêncio, tua solidão, teu desejo de ficar só. Nos teus dias de cansaço, te amarei ainda mais. Nos teus dias de cansaço, serei tua cúmplice na separação temporária, na espera de que a sensação dissolva-se como açúcar na boca, trazendo de volta o sorriso ao rosto. Nos teus dias de cansaço, te trarei uma xícara de café fumegante e te beijarei a fronte, deixando-te a sós com tuas angústias. Nos teus dias de cansaço, estarei a tua espera com os lábios entreabertos e o sexo quente e desprotegido, para que te derretas e despejes o calor de teus novos sorrisos no fundo de minha alma...

sábado, 22 de agosto de 2009

citando Anaïs...


"A tua beleza submerge-me, submerge o mais fundo de mim. E quando a tua beleza me queima, dissolvo-me como nunca, perante um homem, me dissolvera. De entre os homens eu era a diferente, era eu própria, mas em ti vejo a parte de mim que és tu. Sinto-te em mim. Sinto a minha própria voz tornar-se mais grave como se te tivesse bebido, como se cada parcela da nossa semelhança estivesse soldada pelo fogo e a fissura não fosse detectável."

[Anaïs Nin - A Casa do Incesto]


Maré


Ela não controlava o tempo. Não poderia desfazer as palavras, desmembrar os fonemas, apagar as tristezas provocadas pelo equívoco de seus pensares. Não eram maus pensamentos, eram apenas desejos travestidos e mal interpretados.
Sua dureza fazia brotar o sal no rosto, inundar as pequenas ilhas verdes perdidas no oceano morno e solitário de versos injustos. Correu de volta para sua razão para segurar-se à margem e retomar o fôlego. Via, de longe, as ilhas irmãs distanciando-se e sumindo, embaçadas pelo vapor que se formava em torno delas, cada vez mais náufragas, tristes, nebulosas. Precisava nadar de volta, retomar seu pequeno barco, sua pequena vida, seu pequeno amor. Precisava enfrentar o mau tempo e o tremor do mar, precisava de coragem. Precisava voltar. Precisava que seu coração voltasse a bater no peito. Precisava perder o medo. Sentia, com toda a força, que a única forma de perder de vez o medo seria deixar-se levar pela maré.


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

[Alter]ego

Preciso viver as outras para viver comigo. As outras são meus fragmentos, partes que se desprenderam de minha alma - porque o corpo é limitado e a alma é infinita - e tomaram vida própria, corpo próprio. Pari todas elas. Não sou bipolar: sou multipolar, venusiana, extravagante. Há sempre um excesso de qualquer coisa com uma urgência louca de ser vomitada, dita, sentida. Há sempre um inferno a ser contido, um mistério a ser desvendado. Há uma ausência a ser suprida, uma porta a ser fechada, uma janela a ser aberta. Há demônios pelo caminho; há espelhos. Há esse gosto em minha boca, essa agonia em meu peito. Há o carro a espera do lado de fora. Há o momento da partida. Há a fuga e o encontro. Há um espaço indivisível e contraditório, pessoas amontoadas nesse cômodo no canto escuro do meu corpo. Há essa inevitabilidade de que os sentimentos sejam distribuídos exclusivamente a cada uma, sob tutela: amor, ódio, impulso, desejo. Cada sentimento tem uma face, um eu proprietário. E o grande conflito é batalha travada entre nós, a Torre de Babel fundada em mim. Esse é o momento do expurgo, quando todas unem-se e transbordam e se dissipam.
O alívio é momentâneo; o tormento é invisível.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

sobre mulheres

The pink tunic, 1927 - Tamara de Lempicka

Há mulheres e mulheres. Há as que se tornam musas de poetas e alimentam seus desejos e fantasias diariamente, mesmo quando o convívio parece querer corrompê-los. Mas essas mulheres são fontes de inspiração. Essas almas entendem-se tão ardentemente quanto os corpos, com uma linguagem tão própria deles mesmos que os outros tendem a não compreender.

Essas são as mulheres que, mesmo adormecidas, despertam o desejo e mantêm os amantes em constante vigília, a velar-lhes o sono. Essas mulheres provocam maremotos e aplacam guerras íntimas, interiores. Essas mulheres são a origem do mundo, carregam o céu e o inferno dentro de si. Essas mulheres são grandes, ilimitadas, infinitas. Essas mulheres são feitas de carne e alma. Essas mulheres permanecem.

Quanto àquelas mulheres, aquelas são as cinzas, sem cores, sem calor, frias. Aquelas mulheres são as que deixam a chama apagar, são as que conseguem transformar a inspiração em fardo. Aquelas mulheres são as que não percebem a força que têm, o ventre que têm, a alma que têm. Aliás, aquelas mulheres são sem alma, sem vida, sem sexo. Aquelas mulheres são artificiais. Aquelas mulheres tornam-se passado esquecido. Aquelas mulheres culpam o mundo por seus insucessos. Aquelas mulheres fenecem.

Eu sei meu lugar: sou feita de carne e alma. Eu permaneço.
E você? Você conhece o seu lugar?




sexta-feira, 14 de agosto de 2009

It's all about the blues


I'm moving to the sound of blues
playing on the radio
with a dark blue velvet sky
above my head
and salty spattered stars
shining through my eyes
Candy sugar baby,
Come over
Come over me
Candy sugar baby,
Come over
Come over here
I'm roving through the cold cold night
with a pack of cigarrettes
and a lonely bottle of costly wine
in a small travelling bag
Don't wanna go down, love
I've been around enough
Candy sugar baby,
Come over
Come over me
Candy sugar baby,
Come over
Come over here
It's all about the blues, baby
The feeling i've got inside
It's all about the blues, babe
This feeling that i can't hide
Come over, candy sugar baby
Come over me
Come over, candy sugar baby
Come over here


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Olvidar


A amargura dilui o doce na boca
verdades hípócritas de um corpo vazio
uma alma vazia, pessoa oca,
refrões de um bolero que não toca
declarações de anônima vulgaridade
indecente circunstância de ti.
Não há gosto que valha que fique
nem rastro, marcas, cheiros, dentes,
apenas torpor de dias esquecidos
restos de ideais inexistentes.
Limpa a boca do desejo que balbucias
das palavras de amor que lambes escondido
figura decrépita de homem novo
avesso de Midas
avesso de homem
avesso de amor.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

queria apenas um gole de paz...

Algumas coisas me tiram do sério e me deixam sem sono... Eu só queria dormir. Sinto-me cansada. Sinto-me intolerante, irritadiça, abstrata e fragmentada como uma mulher cubista.
O relógio vai se arrastando em slow motion. Mas é só aqui. A noite não acaba, o dia não vem. Essas horas da madrugada têm um cheiro gelado que faz arder as narinas. Que olhos pesados eu tenho, meu Deus... Olhos pesados e transparentes; transparentes e profundos, olhar de cor de terra. E quando mais desejo o silêncio, é ele que me incomoda.
A dor na nuca volta mais forte. É a minha inquietação dando sinais de vida. É a porra da minha falta de paciência. Preciso de uma dose de morfina ou um gole de paz. É só pra dormir, prometo. Não tocarei mais nesses comprimidos.
É melhor calar. É melhor dormir. Ou ao menos tentar.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sorriso


Sorrio por ti, meu bem
por mim, por nós,
pela candura de nossos dias,
horas, breves instantes,
pela loucura de nossas orgias,
por nós, futuros amantes
de Chico, Vinicius, de nós mesmos.
Sorrio por nós, náufragos de amores passados,
que após o esquecimento
alcançamos terra firme
nos braços do outro.
Teu corpo, meu porto,
tua alma, esconderijo,
teu peito, lugar meu
meu pouso, serenidade
pois só em teus braços
abandono o dia passado.
Teus versos - meus versos;
tua voz - minha música;
tuas mãos - meu caminho descompassado;
teus vícios - o gozo, a bebida, a música;
meus vícios - as letras, a orgia, você;
fundem-se em vícios nossos,
em gozos nossos,
almas liquefeitas e mescladas,
poesias, contos, rascunhos, bilhetes,
música nossa,
segredos explícitos contados,
insanidade compartilhada.
Sorrio por ti, que ama
minha nuca, meus ombros,
meus seios, os fios carmim.
Sorrio por ti que, me amando,
sorri - menino - de volta pra mim.


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

[sem título]

Quando me falta a voz,
a escrita, o som,
quando me falta a alma,
que falta a alma me faz.
Quando me falta o chão,
a cor, o dom,
quando me falta o amor,
que falta o amor me faz.
Quando me falta o ar
o vento, a chuva,
quando me falta a vida,
quando me falta o gozo,
quando me falta o dia,
quando me falta o beijo,
quando me falta a dor,
o vôo, a queda,
quando me falta calor,
que falta o calor me faz.
Quando me falta razão
pudor, causa,
quando me falta o juízo,
não sinto a falta que o juízo me faz.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

prece à libertação

A negação abrandou a alma
alvejou as coisas impuras
de gente baixa, lamacenta
e transformou nosso mundo
em solo infértil
sem punhais, ervas,
espinhos, sílabas.
Porque somos feitas da noite
de parte da cíclica dama alva
de sussurros de vento e folhas
de outras mulheres como nós
cadelas libertinas e sagradas
de ventre aberto
de alma aberta
atadas aos costumes de nossas mães
livres da hipocrisia do mundo
seres que voam e sibilam
e cintilam e encantam
e despertam a fúria,
o amor, o desejo,
a repulsa.
Abandona tuas vestes
de ser comum
de recato, de contrato,
de pele sintética;
sê carne e te liberta,
visão fantasmagórica de mulher!
Dedicated to Priscila Boltão

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Versos loucos


Ah, meu amor de palavras loucas, palavras roucas, faz transbordar de amor a velha alma cansada de dor. A música, meu amor de palavras loucas, toca quando tua voz vibra e teu corpo move-se para encontrar encurralar amansar incendiar o meu. Sem ponto sem vírgula sem espaço sem tempo sem limite sem começo sem fim: onde começa o sonho e termina o dia? Oh, meu amor de palavras roucas, há marcas mais profundas dos que as da carcaça meu anjo louco demônio deus gigante, marcas que ainda não se podem ver, como as das argolas prateadas que guardas em tuas extremidades ramificações onde há o espaço para o nome meu, amor de palavras roucas, amor de verdades loucas.