EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 24 de julho de 2011

madrugada

O espírito desliza; o corpo deságua; desperto submersa em água e sal. Sinto tua falta nessa cama - sinto falta onde quer que repouse, porque careço de calor. Mas ouço tua voz do outro lado da porta e me pacifico. Vou me ninando com as palavras abafadas que não entendo. Você está logo ali e bem aqui, fundo, lento e grave. Mas só durmo profundamente quando você volta e se encaixa no teu espaço nessa cama, quando molda teu corpo no meu e diz que logo amanhecerá. E me beija boa noite.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

abismo, loucura, memórias recentes

Madrugada. Caminho no frio orvalhado das pedras cintilantes, nua, pés descalços, trêmula, verde. Eu sereno. Bato às portas pesadas dos sonhos alheios, às portas de saída do meu próprio labirinto. Ninguém responde. Caminho soluço tropeço caio levanto sigo. Sigo pelo cheiro que vem no caminho do lado de fora - lado de fora de mim. Falta-me o ar. Não há pensamentos, há somente sensações de olhos cerrados enquanto tua língua me castiga o meio das coxas. Castigo de língua e dedos. Ando rápido, com o peito aos saltos e o pulso prestes a explodir. E essa tua conversa íntima com minha boca me põe em choque, em transe, em estado de insanidade temporária. Estou prestes a correr. É quente, muito quente, e teus suspiros gemidos fazem vibrar tua língua em minha carne viva. E te suplico continuidade. Estou prestes a morrer. E corro. Corro pelas pedras cintilantes, pelo asfalto frio, pelo chão de terra batida. Corro até cansar as pernas, até perder as forças, até não sentir o chão abaixo dos pés e beijar o precipício que me sorri estrelas - lanço-me suicida no abismo gozoso de tua boca.
Descobri-me pronta. Descobri-me pronta quando segurei aquela criança e vi teus olhos brilhando. E quando lembro de Marcia Duarte dizendo "tenho livre meu ventre para gerar teu filho", meu corpo responde com seios inchados e enjoos sem propósito. Engravido a cada "eu te amo", a cada olhar cúmplice, a cada dia amanhecido ao teu lado. Vou parindo nossos dias, nossos filhos não gerados, nosso amor destilado nesse tanto de prosa sem nexo que talvez só você entenda. Germino tua loucura em meu ventre - loucura nossa. Germino dias, os anos passados, o futuro, nosso futuro. Germino esse amor, essa paixão. Germino você, homem bonito. Meu mundo. Meu encanto real.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

existires

Nada de estranho me afeta a ponto de fazer torcer minh'alma. Não que a maldita não berre de ardente cólera ou se refestele em dulcíssima paz. Ela se desfaz, sim, em crepúsculos laranjas ou azuis profundos anoitecidos. Mas minhas glórias e maldições nascem em meu próprio ventre e tomam rumo por baixo da pele, eletrificadas e combustíveis. Meus desejos incitam, minhas vergonhas retraem. Sou meu peso e minha medida. Nada me faz infeliz a não ser eu mesma, minha ira, meu ranger de dentes, meus medos intermitentes - quem não os tem? E não há infelicidade que valha um milésimo da vida que me resta, porque simplesmente não me quero infeliz. Desejo-me. Desejo-me ferozmente onde houver vida, onde houver desejo, onde houver inverno. Simplesmente desejo-me.

terça-feira, 5 de julho de 2011

coisas de casal

Tem feira na Lagoa domingo. Vamos comprar brócolis e beber caldo de cana. Comprar flores. Ver as pessoas na manhã de domingo. Andar de mãos dadas. :) (é, eu tô engraçadinha hoje...)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Medo, Desejo e Morte

Arriscava-se pelas curvas embebidas em álcool e aromas. Contorcia-se e embebedava-se, sem juízo. Não queria ser o outro, por mais que seus impulsos o arrastassem na direção da masmorra guardada nos dias gris. Morria e voltava a nascer e lançava-se novamente contra Morte, acridoce e bonita nas noites suicidas. E sorria instigante, travando combates que recomeçavam a todo instante, com dentes sujos de sangue e saliva a correr pelo canto da boca, feito besta desarvorada.
E quando Medo perguntou-lhe se alguma inquietação o afligia quando suas unhas cravavam a pele da Morte, Desejo respondeu:
- Morte é ousada. E todas as vezes que meus dentes e unhas manifestam-se em sua carne, Ela me sorri e me beija o espírito, suplicando para que eu alongue seu sofrimento, sua angústia, que adie por mais uma eternidade o recomeço. E o fim é glorioso, sublime, erótico. E então Morte cerra seus olhos, extasiada, tragando-me inteiro em seus lábios, consumindo-me na brevidade de um suspiro. Eis que renascemos.
Medo então parte, deixando Desejo a sós com seus devaneios gozosos e visões proféticas romanceadas em discursos amorosos metaforizados e estrelas cadentes.