EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

[roubei do blog do Paulinho] A vida se reconstrói

Vou postar a parte mais interessante do texto que roubei do blog do Paulinho...



"Pode demorar. Os que já passaram por isso sabem que um dia todo o sofrimento passa, a tempestade se desfaz, o bom tempo volta e o sol torna a brilhar, a aquecer a alma e a iluminar os caminhos. Quem ainda não chegou a esse momento pode acreditar: isso passa; pode demorar, mas passa. É preciso manter viva a chama da esperança e acreditar na capacidade de ressurreição do coração arrasado. Sempre haverá no futuro a possibilidade de um novo amor e é necessário estar preparado para receber essa dádiva preciosa. E um dia, em um futuro por vezes nem tão distante assim, a nova paixão ilumina com seu brilho a alma, como o sol que ressurge e nos aquece após um longo período de mau tempo. Ou como a primavera que rebrota depois de um longo e escuro inverno.



A vida se impõe. Sempre."

Encontros, desencontros, reencontros

Artur da Távola disse que todo encontro carrega um desencontro. Sim. Faz sentido. Concordei. 
Lendo o resto das crônicas daquele livro, percebi que meu querido cronista estava sendo contraditório, pois, em outro momento, quando fala sobre afinidade, afirma haver neste sentimento conectivo algo atemporal, uma ligação que escorre feito água pelos dedos de Cronos.


"A afinidade não é o mais brilhante mas é o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. O mais independente, também.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vidaÉ uma vitória do adivinhado sobre o real.[...]


Então cheguei à conclusão do seguinte: da mesma forma que cada encontro já vem carregado de um pouco da tristeza do desencontro, cada desencontro traz a esperança da alegria do  reencontro - o inextinguível ciclo das coisas.

sábado, 27 de novembro de 2010

Anaïs - parte V: o despertar

Amanhecia. Tentou se mover mas o peso sobre a coxa a imobilizava: ele dormia entre as pernas de Anaïs, com a cabeça apoiada em sua coxa esquerda. A simplicidade daquele momento causava-lhe comoção. Estendeu a mão e alcançou o maço de cigarros no criado-mudo.
Tragava lenta e profundamente, como se fosse o último cigarro de sua vida. Olhava através da espessa cortina de fumaça que se formava à sua frente, com lampejos de memória das horas que antecederam o dia."Afinal, quem diabos é você?", sussurrou entre um trago e outro.
A cabeça do homem moveu-se lentamente em direção ao meio das coxas brancas, beijando-lhe o sexo.
- Bom dia, Anaïs. Adoro beijar sua boca pela manhã. Gosto de sua saliva - disse, rodopiando lentamente a língua em torno do clitóris.
- Você ainda não me beijou a boca esta manhã...
- Acabo de beijá-la...
- Eu não sei ainda o seu nome...
- Sabe, sabe sim. Sussurrei em seu ouvido várias vezes esta noite...
Subiu a língua pelo umbigo, barriga, vale dos seios. Anaïs fechou os olhos.
- Não lembro... Quero saber seu nome...
- Então me conte seus segredos - balbuciou com a boca grudada à pele.
Sentia a tensão sexual pulsar de encontro ao seu corpo, fazendo com que se desesperasse de medo, angústia, desejo.
- Do que você tem medo, Anaïs? - falava lentamente, como se temesse afugentá-la, enquanto tomava a mulher aos poucos.
Sentia-se cada vez mais intrigada. Estava perdendo o controle, sumindo de si, escapando do mundo real. Ele não parecia real. Mas sentia a pele, o cheiro, o desejo crepitante. Ardia. Doía. Queimava como o inferno.
- Por que você não diz logo a porra do seu nome?
O homem saiu de cima de Anaïs, sentando-se à beira da cama.
- Venha aqui. Não precisa ter medo de mim.
E quanto mais ele se esquivava, mais Anaïs se desesperava. "Que tipo de pessoa não diz a porra do nome?"
Levantou-se e fez menção de apanhar o vestido, mas ele a tomou pelo pulso e repetiu:
- Venha cá.
Beijou-lhe a barriga.
- Você me ama, Anaïs?
- Não. Eu te odeio.
- Então prove.
Deitou-se, deslumbrando Anaïs com seu desejo. Sentou-se sobre ele, sem resistência.
- Filho da puta... Vá embora...
- Você quer que eu vá?
Anaïs respondia com os quadris, subindo e descendo devagar, mordendo o lábio inferior.
- Quero... - balbuciava rouca, sentindo o ódio se acumular no ventre, junto do amor.
- Então me conte... tudo... agora... bem devagar... - disse ele, segurando Anaïs pelas ancas e controlando seus movimentos.
- O diabo ... pode citar as escrituras... quando isso lhe convém...
- Shakespeare... boa menina... diga mais...
- Eu... eu fiz coisas ruins...
- Como você fode gostoso, Anaïs...
- Eu... não queria... ah... desgraçado... suma da minha vida...
- Eu não estou fazendo nada, querida...
- Eu gostei... de ver... o medo...
- É gostoso, não é? Isso... fale, Anaïs... coloque a raiva pra fora...
Anaïs sentia que o mundo acabaria dentro dela. Sentia uma inquietação sem explicação, sem advertência, sem rumo. Ódio e amor estavam ali, diante dos olhos, entre as pernas. E enquanto gritava suas agruras, o outro jorrava satisfação no centro de seu mundo, no meio de sua alma, de sua lama, de seu ventre.
Cansada, deitou-se sobre o homem. 
- Eu sou o seu demônio, meu anjo. Eu não existo. 
Afagou os cabelos de Anaïs enquanto ela adormecia em seu peito, ouvindo as últimas palavras.

[continua...]

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

outros diálogos

- Gostar ou amar?
- Não sei.
- Você é intrigante.
- Por quê?
- Sagitário. Fogo.
- Interessante...
- Obrigada. Você também...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

muda

Ela se olhou no espelho às 4:00 da manhã e viu uma mulher diferente: cansada, mais velha, bonita. Olhos de ressaca empapuçados de maresia. Unhas pintadas de lilás. E lembrava apenas da sensação de alma, de rasgos de loucura vulcânica que a assolavam entre ranger de dentes.
Sentiu-se nova, diferente. Estava trocando de pele.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

U2

Essa música fala sobre morte... ou sobre uma outra perspectiva da vida... A vontade de permanecer...
Tudo é uma questão de perspectiva.

Green line, Seven Eleven
You stop in
For a pack of cigarettes
You don't smoke
Don't even want to
Hey! Now check you change
Dressed up like a car crash
The wheels are turning
But you're upside down
You say when he hits you
You don't mind
Because when he hurts you
You feel alive
Is that what it is?

Red light, gray morning
You stumble
Out of a hole in the ground
A vampire or a victim
It depends on who's around
You used to stay in
To watch the adverts
You could lip synch
To the talk shows
And if you look
You look through me
And when you talk
Is not to me
And when I touch you
You don't feel a thing

If I could stay
Then the night would give you up
Stay
Then the day would keep its trust
Stay
and the night would be enough

Faraway, so close
Up with the static and the radio
With satellite television
You can go anywhere
Miami, New Orleans
London, Belfast and Berlin
And if you listen
I can't call
And if you jump
You just might fall
And if you shout
I'll only hear you

If I could stay
Then the night would give you up
Stay
Then the day would keep its trust
If I could stay
With the demons you drowned
Stay
With the spirits I found
Stay
And the night would be enough

Three o'clock in the morning
It's quiet and there's no one around
Just the bang and the clatter
As an angel runs to ground
Just the bang and the clatter
As an angel hits to ground

Um pouco de Pessoa

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia 
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos"

Fernando Pessoa

sábado, 20 de novembro de 2010

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O mundo parou.
Fez-se silêncio.
Nostalgia.
Memórias.
Os olhos de fundo de rio tornaram-se lava.
Queimaram de ódio, de mágoa, tristeza.
Queimaram de amor e partiram.
Partiram.

Drummond me perturba:
A festa acabou
a luz se apagou
o povo sumiu
a noite esfriou...

A noite esfriou.

A rádio toca a música da partida.
Música de amor, de amor triste.
Porque amor é triste.
Desespero.
Inundação.
Inundação de lágrimas, gozo, vinho.
Mais de lágrimas que de resto.

O mundo parou.
A sala ficou vazia.
Mas a vida continua do lado de fora.
Vou abrir a janela
e deixar o vento entrar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Essas mulheres

Essas mulheres me invadem. Tomam um espaço que não sei se tenho. Porque eu preciso de um espaço maior que meu corpo - um espaço mutante, transformista, caleidoscópico. Porque eu mudo a todo instante: de nome, de pele, de gosto, de sina. Eu mudo de casa. De reta. De direção. De esquina. Eu mudo de rota. De vento.  Mudo de lua. Horizonte. Mudo de roupa. Porque eu quero estar boneca. Quero estar maldita. Quero estar serena. Cretina. Ordinária. Passiva. Cadela. Quero um gole de cólera, de medo, de serenidade alcóolica. Porque é nessa vertigem lenta que enxergo e desfaço meu mundo, meu espaço de espaços abertos, de vírgulas - vírgulas mais que tudo! Canções de ninar. Eu descoberta. Seminua. Eu e essas mulheres.