EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 24 de novembro de 2012

Sabe, eu conheço esta mulher. Podes pensar que ela te salvará de tua miséria, de teus naufrágios e torturas pessoais, de tuas culpas, de tuas tempestades. Podes até esperar que seja ela a te puxar do fundo, do ralo, do inferno. Mas ela não quer te salvar de nada. O que ela quer é passear sorrindo no meio de teus escombros, passar os dedos sobre tuas cicatrizes, lamber teu sangue. Ela te quer despedaçado e imperfeito, porque as coisas certas e perfeitas são enfadonhas, causam náusea, não existem. São mentiras. O inferno é onde te deitas, e ela, meu caro, é o diabo.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

amares

Cada vez que me pergunto "o que é o amor, afinal?" penso que o amor não existe. Este amor, circunscrito na palavra, é estranho, limitado, reto. Existe, sim, a forma de amar, o meio de querer cheio das curvas de cada um. Então o amor é ação. É verbo. É amar, ao invés de amor. O substantivo é conceitual e não impulsiona. O verbo exige movimento, postura, direção. Exige que eu faça algo. Empurra-me para o outro. O amor, este conceito estático, não me interessa.  Eu preciso de batalha, combate, força. Talvez seja por isso que os relacionamentos morram: vivem mais no conceito do que na ação. O amor é pano de fundo, é cenário. O amar é o que eu faço ao outro a cada instante. E não é isso, afinal, que nos une ou separa? 

Cada um sabe o que é amar para si.

"Soneto XVII  - Pablo Neruda

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva

dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,

te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és

tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho."

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

sobre a imagem que arrebata meu outro eu

Há de ser bonito. "Há de ser" no tempo indeciso entre palavras doces e rosnares, entre o tempo da calmaria e o tempo da violência do teu instinto macho. Há de queimar. Há de nos arrastar a algum canto desconhecido onde as imagens se desfazem, nuas, criando novas imagens no fundo dos olhos. Hei de quebrar tua espinha e te dizer horrores porque sou feita de remendos. Há de ser turva a água do banho. Há de ser imperfeito. E haverá barulho, medo, escândalo, horror. Haverá gozo. Ternura. Haverá um lábio inferior entre teus dentes. Há de ser inflamado, dolorido. Há de ser retrato a cena da memória. Há de ser intenso, mesmo que a brevidade assole o tempo. Há de ser grande. Há de ser muito. Há de ser loucura, combustão, orgia. Há de ser romance. Há de ser tudo. E também há de ser nada. Há de ser desconhecimento de espera. Há de ser ânsia, ebulição, tormento. Hei de amar teu chão, tuas paredes, tuas frestas. Há de ser eu e tu. Enfim, nós.