EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

ouvir

Eu ouço. Ouço tua voz se me deito sozinha nesse meu quarto de quatro cantos inúteis. E, por mais que sinta frio, gosto de ouvir você na memória. Gosto de ouvir teus sonhos, tua falácia, teus desatinos. Gosto de ouvir teus carinhos, teus suspiros, teus gemidos. Gosto de ouvir tuas explicações intergaláticas. Gosto de ouvir teus planos - simples ou demasiadamente complexos - e tuas ideias. Gosto de ouvir teu sorriso - porque teu sorriso tem um som que eu gosto. Gosto de ouvir tuas lembranças, tuas tristezas, tua infância. Gosto de ouvir teu silêncio. Gosto. Gosto do barulho do copo de whisky ou de coca-cola (aquela efervescência me agrada), do isqueiro acendendo o cigarro no meio do teu quarto escuro, de cada trago. Gosto do som do roçar da tua pele na minha. Gosto do teu barulho de ser. E ouço cuidadosamente cada movimento teu, porque preciso te capturar na memória, pra te ouvir quando faz frio, quando está longe, quando minha noite demora a passar. Então deixa eu te ouvir até o sono vir me buscar e me levar pro meio dos teus sonhos, até passar a noite e eu poder te ouvir de novo. Porque eu gosto. Simplesmente gosto.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

mar adentro

Somos dois. Um e um. Sem meios, pedaços, incompletudes. Somos imperfeitos. Desgastados. Cheios de defeitos. Loucos. Ávidos. Corajosos. Somos inteiros. E nos encaixamos alucinadamente em nossas imperfeições. Tudo faz sentido, sentidos. E fazemos barulho, fazemos silêncio, fazemos carinho. Somos deliberadamente cheios de nós mesmos. E já éramos antes do tempo contar, antes de nos sabermos gente, antes mesmo que o mundo desse uma volta completa. E quero, assim, com toda a petulância que cabe em mim, sorrir marés cheias até cansar o tempo. E se o tempo não existe, que o agora se estenda mar adentro, a noção mais bonita de infinito...

terça-feira, 21 de junho de 2011

modo imperativo - convite ou recomendação

Corre desse mundo. Foge. Volta. Fecha os olhos. Não sai. Entra. Entra aqui. Não pergunta. Responde. Não fala. Beija. Sente. Ri. Ri de ti, ri de mim. Não olha. Vê. Não pensa. Faz. Vive. Crê. Crê em nós. Sopra. Venta em meu rosto teu nome. Navega. Navega-me. Navegamos.

domingo, 5 de junho de 2011

pequenas considerações sobre reencontros de amor e coisas afins

Sempre achei que o amor causasse o tempo todo a sensação de montanha-russa. Que fosse necessário e imprescindível a presença da estranha fúria amorosa e adrenalítica que envolve os amantes. Mas de repente - não mais que de repente - torna-se suavidade. Palavra macia. Tem gosto de brandura, de céu, de algodão doce. É sem medo. Não tem limites ou castrações. É inteiro. Somos inteiros.
Aos quinze anos estávamos tão cheios de inseguranças e incertezas que passamos a nos olhar a uma certa distância. Eu passei a te olhar à distância. Eu já era uma mulherzinha - ainda em construção - mas tão repleta de vontades que só conseguia ver o que meus impulsos juvenis e hormonais deixavam óbvio. 
Agora penso - e me embasbaco imaginando - que só continuei escrevendo por tua causa, porque naqueles tempos você me enxergava por trás do rosto de menina levada. E você me dizia escritora. Não sei se realmente me tornei uma, mas a paixão pelas letras começou contigo, naquela época, por causa de George Orwell e dos teus suspensórios - pode parecer estranho, eu sei, mas são coisas que só eu entendo.
Aos dezessete, aquela carta com papel timbrado do teu pai me encheu de alegria - como se meu peito estivesse sendo visitado por foliões em pleno carnaval. E ali você disse que me amava pela primeira vez - mesmo sem ter escrito exatamente isso. [essa carta ficou guardada naquela pasta de desenhos que eu tinha no colégio, no meu pequeno templo de "sacralidades" e está aqui agora, na primeira gaveta desta mesa]
Essa noite, quase dormindo, você me dizia que o que mais te encantava quando eu tinha quinze anos era o meu jeito de andar, de ser acelerada, de fazer tudo a 500 km/h. Acho que não mudei tanto nesses aspectos. A grande diferença é que fui andar pelo mundo, ver a vida, saber mais de mim, me encontrar e desencontrar um bocado de vezes para poder reencontrar você. Para poder parar de brigar com o tempo. Para sentir calma. Para amar de verdade. Agora. Você.