EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

da embriaguez de tuas madrugadas

das coisas que não sei é que me assombro
das visões cegas - pálpebras remendos
da canções que não danço em silêncio
dos arroubos por vir - das incontingências
dos começos arenosos, dos meios transparentes
dos fins repletos.
emudeço-me de palavras tardias
ou brevidades ou esquecimentos
que venham pelas portas dos fundos
- saídas -
e fecho em sombras o dia claro
de ventos desertos em chuva.
assombra-me a solidão das multidões
e os sorrisos tristes.
alegra-me a visão imaginária de flores em tuas paredes cruas
tua embriaguez exposta em letras infames
nas horas em que o mundo dorme
quando tu me espreitas entre estrelas de distância
e me dás nomes que não sabes se existem
no espaço remoto do meu corpo
na infinitude de nomes que sou
na infinitude de amores que és.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"o quão estranhos e profundos são os desejos"

Penso constantemente em me refestelar em tuas escuridões. Há muita fome em cada palavra que cala teus pensamentos pornográficos e indizíveis, teus cantos cobertos de musgo e vergonha, teus desejos pavorosos que se libertam da castidade das palavras limpas e me encontram em comas lúcidos e esquinas do teu espelho - porque és minha imagem. Embriago tuas ideias quando te espelho semelhanças e te [re]descobres em mim, em cada palavra-encontro-vocálico. Traduzo teus quereres quando explicito os meus, quando descrevo tua ausência-presença, tua lonjura, tua forma de me amar mesmo sem me saber tua própria carne, tua bebedeira, tua bile. Estou em tua boca, em teus fervores por baixo da roupa, por baixo da pele, dentro dos ouvidos que inventam minha voz, minha rouquidão, meu gargalhar. Refestelo-me em tuas escuridões que são minhas, quando sou sangue e mato pausadamente tuas esperas e te faço sofrimentos e gozos imaginários intermitentes. Quero engolir o que tens a me dizer garganta adentro, com tua mão a me prender o fôlego e teus dentes a me travarem a língua. Refestelo-me em teu sexo quando toco o meu. Digo putarias e canalhices que ouves solitário na madrugada escura do teu quarto, com teu vinho e teus blues. Amo cada curva dos teus desejos estranhos, tua ausência, tua retidão, teu abismo. Desejo teu cansaço, tua raiva, tua insônia. Tu me intrigas e te devolvo enigmas. Pulverizo-me libido em cada sílaba que teus olhos me veem [imaginariamente] balbuciando.