EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

sobre a descoberta

Quando a dor de ontem partido
der lugar ao futuro sem medo
Onde íris descobrem-se em risos
e desespero de bem de amor

ainda serei o que sinto
pois ainda sou o que vejo.

E aquilo que sou permanece
em tintas, carne e sombra
de saudade do beijo invisível
do amor não tocado na pele

Mas ainda sou o que quero
- ainda sou o desejo.

E a voz que atormenta o sono
me enche de som o silêncio
e o inferno do quarto vazio
suplica a chegada em breve

pois sou a perfeita espera
e ainda sou o anseio.

E a carne tremula em versos
e beijos e juras de amantes

pois sou a branda loucura
e ainda sou eu no espelho.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

física

Teu primeiro estado
- estático
inerte -
não move,
não sente,
repousa,
observa.
Aguarda algo que te impulsione
que te acelere
que te obrigue a mudar o curso.
Eis que outra força
- dinâmica, petulante, saliente,
puta verborrágica* e assoladora -
te envolve, te cerca,
e aplicando força ao teu corpo
te acelera
te dá sentido.
E tua inércia parte
para um terceiro estado,
onde há reação
com interações de contato,
força
tração
atrito
onde te descobres pulsante
vivo
sangue.


[* inspirado em leituras recentes]

chuva

Chove desesperadamente e eu gostaria de algumas más intenções perfeitamente imaginadas essa noite. Ou os deuses estão furiosos, ou estão fodendo feito loucos sobre nossas cabeças... Vai saber...

domingo, 26 de dezembro de 2010

vontade

A vontade dói
latejante
quente
corrosiva.
A vontade se impõe
pulsa
elétrica
desmedida
histérica.
A vontade fica.

sem título III

Devolve-me os risos
e me traz um pouco de cólera
enfeita meu chão de desejos
e te descobre em mim
te envolve em mim
te perde em mim
porque te imploro
ordeno
que te percas em mim
porque sou abismo
sou sonho
sou cio.
Me machuca.
diz que me ama em teu ganido
e me machuca
me lambe os ouvidos
o rosto
feito cão
no meio de minha tempestade
de minha desordem
de minha agonia
de tua fúria
anseio
júbilo
gravidade.
Te atraio
te envolvo
te mato.
Balbucia cretinices
no céu de minha boca
gira a língua
gira a vida
gira o mundo
- minha lembrança de amanhã.
Então, me fazes puta
e te escureço os olhos
- esses olhos de cor indefinida
que me fitam estáticos -
e te adoro com os lábios
te elevo
te celebro
te sublimo
e tu pulsas
fodes
com dedos emaranhados em meus fios
jorra teu rio
e segue teu curso
em meu sorriso.
Encontra-te.
Descobre-te inteiro.

poemeto à madrugada insone

na calada da noite
eu me rendo ao silêncio
da noite calada
silêncio de sons noturnos
onde se ouve tudo e nada
ouve-se a noite, apenas.

respirares
surtos
medos
gemidos
é tudo que se ouve
no silêncio da noite calada.

onde o medo de escuro
se transforma em medo de nada.

e o vento morno
invade minha madrugada
quando todas as luzes se apagam
as vozes se calam
deixando memórias invisíveis
no silêncio da noite calada.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Absurdo

Arranquei os trapos que me cobriam. Os medos. Arranquei de mim um bocado de pensamentos que me podavam. Olhei no espelho e me vi inteira, sorrindo histérica - porque sou histérica. E não havia nada de vulgar em dizer que tinha desejos diferentes, que desejava conhecer o que estava do outro lado do mundo, do outro lado do próprio desejo. Vi-me encurralada, intrigada, mais livre. Mas agora desejo cantigas diferentes, notas nunca antes tocadas no corpo. Desejo o absurdo. E o absurdo está pintado de poesia e outras intrigas, outras saídas infames, outros verbos - conjugações trôpegas e instigantes. O absurdo sussurra uma música conhecida em tom diferente, em cores já vistas mas nunca representadas dessa forma. O absurdo tem nome. Tem lugar - lonjura - e um céu de brigadeiro que preciso explorar em minhas incursões doidas. O absurdo me move, me excita, me atiça - despe-me em beijos e madrugadas insones. O absurdo me faz ser quem eu realmente sou. O absurdo é agora.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ciranda

De madrugada
somos testemunhas de um desafio
de um desafio comparsa
de onde surge a ideia incerta
de poemices, sandices e desejos
e tu me provocas com gentilezas
de gostos e carinhos e afetos
sem ônus
sem medo
sem olhos
gratuitos
ingênuos
ridículos
de amores pueris
e paixões adolescentes
sem relógios de pulso
ou missas de domingos
tão pontuais
e tristes
porque o ponteiro segue
tictacteando
e eu quero parar
quero ser Branca de Neve esta noite
quero ser menina
ter olhos de ressaca
ressaca ridícula de amor infantil.
Te espero.
Vem me dar boa noite?
Canta pra mim?
E entre confissões de vida inteira
e de passado recente
fazemos pactos também pueris
você canta e eu leio
leio poemas de amor
de sexo
leio pra você dormir ou me amar
o que vier primeiro
porque eu só quero esquecer do relógio
do infernal ponteiro
e te beijar boa noite
e quem sabe
te amar outra vez amanhã.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

verbo, versos e outras matanças

Guardei aqui dentro
meia dúzia de versos sem-vergonha
versos pra cantar
dentro da tua língua
por trás das tuas pálpebras
por baixo da tua pele
nessa tua dança torta
de pés esquerdos
versos pra fazer bailar o tempo
pra fazer parar o tempo
esse cretino desalmado que é o tempo.
E meus versos entranham
em teus pontos inacabados
abertos
em teu peito exposto
e seguro teus dedos para que pares
para que não te feches
porque te quero assim
sangrando delícias
minúcias
segredos
quero-te cru
e cuspo álcool em tua pele
ardências
pra te confessar meus versos
carnificina do verbo
porque és bicho, homem
e para amar, matas
e quando matas, revives
e revives porque gozas
e renasces dentro de mim
em espuma morna
de almas liquefeitas
e fundidas entre pernas,
bocas e loucuras:
verbo, versos e outras matanças.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

o rio

Não, não desejo o mar
e sua revolta salinizada e bruta
Não, não desejo o mar
 - desejo o rio
a pedra
a pedra que o rio cavou
dentro do meu peito
a água doce e mansa
para sentir o fundo
a terra nos pés
entre os dedos
a mansidão morna e verde
o fim de tarde sereno
de livro lido deitado na rede
com o som tranquilo da água
calmaria profunda e presente
ausência de dor ou mágoa.
Desejo o rio
o rio de curso incerto
de curso mudado
de curso amável
que me banha a pele
e traz sorrisos de infância
rio de lava e amor
eterno
inclassificável.

something

domingo, 19 de dezembro de 2010

o princípio cósmico do amor... [repostando]

Platão descreveu o amor como algo mais profundo do que simplesmente físico. Em "O Banquete", fala sobre a naturalidade do amor sexual, mas exalta a amplitude da raiz do sentimento.
Ao contrário do que a maioria entende, o amor platônico não é o amor assexuado ou simplesmente contemplativo: é um princípio cósmico. A amor ultrapassa os limites do corpo e ama-se o universo no outro. É o amor genuíno, ilimitado, sem cercas, altruísta. É quando se aprende a amar a beleza da mente. É quando compreendemos Safo de Lesbos, sobre a diferença entre o bom e o belo. "O belo é belo aos olhos e basta. O bom torna-se subitamente belo."
O amor platônico é o amor incondicional. É o crescimento. A busca por algo maior e infinito. É a imortalidade das almas. 
Corpos são efêmeros; almas, infinitas.

sábado, 18 de dezembro de 2010

"Aqui jaz a amante do vento, aqui nasceu a amante da noite, para a alegre perdição do poeta."
[José Rodolfo Klimek Depetris Machado]

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

grita!

não desejo silêncios infames
quero barulho
porque sou carne
e tu me lambes os risos
as bocas
com tua língua de fogo
e tens entre os lábios da face
a pérola encarnada
e agridoce
da concha venusiana
descoberta entre segredos
e vales e medos.
e me dizes sandices
às minhas bocas vermelhas
que vibram a alma da rua
- minha alma torta -
meu corpo aberto
meus dedos tremidos
sentidos
porque sou carne
e te suplico: cala!
e tua língua vibra
dentro do meu sorriso
salivas
e me respondes: grita!

domingo, 12 de dezembro de 2010

"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca."
Clarice Lispector

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

hiato

Soluço
- pausa -
silêncio.
metáforas mal arrumadas
e delírios adornados
de quereres profundos,
famintos,
cegos.
Desmesura
lonjura
loucura
- rimas sem nexo ou encaixe -
som partido
- encontro de opostos adjacentes -
de palavras,
desejos,
lapsos de tempo e memória.
Tácito diz que há linguagem no hiato
- eu digo que há fome,
e na fome, carência - conclui -
e na carência, fogo,
e no fogo, fúria
- entidade multipresente no vício.
Com lábios pintados de carmim
digo "alcoólica"
e tu me devolves "diaba"
antes de juntarmos
as sílabas e as línguas
- pequena morte desejada.
E a boca borrada de carmim
sussurra entre encontros vocálicos gemidos:
"há fome no hiato".

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

nudez

Ao meio-dia
entre todas as coisas estranhas
de dia comum e tardio
eu me mostro
nua, partida
sem medo.
Mostro-me ao meio-dia
no meio da rua
no meio do dia
no meio do tempo
saudade - palavra estranha.
Arranco a roupa
o sorriso
o gosto
a voz
a paz.
Resta a carne
aos lobos.
Matéria.
Cadência.
Nudez.