EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 27 de janeiro de 2013

do castanho vermelho dos meus olhos

entre minhas transparências mortais, gosto das espelhadas, dos reflexos dos meus olhos de castanhura terracota, porque meus olhos sangram e confessam meu caos emocional. meus olhos dialogam com tua boca, que fala com a minha através de semi-beijos, espaços entreabertos de quereres. toques não repletos de toques, antecipações de sentidos - pressentimentos. assim, tudo o que se passa fora dos olhos deixa de existir. estamos dentro. somos dentro - profundidades e desmesuras. teu hálito nas pálpebras faz sorrir meus olhos, que fazem projeções cartográficas de teus sorrisos. e na ressaca de meus olhos conto a ti o que não há de ter explicação. são apenas meus olhos, aquele louco par dissimulado de argila, aquela gravidade riscada - sanguínea. e o castanho vermelho conta tempo, segundos, saudades. conta histórias por vir - acalentos sussurros paixões.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

sobre o meu instinto de correr para teus lábios bonitos

meu instinto me arrasta para as bordas de tua xícara, onde aqueces tua boca. meu instinto é loucura que te pensa atrocidades amorosas.

instinto de te mastigar os lábios que mastigam os meus [todos]
morar no céu da tua boca quente

onde tua língua faz orações mudas

silêncios

e diminuir a distância triste no meio da quarta-feira nublada
abandonar meus recintos

dissolver teus detalhes em algo açucarado
mansidão feroz da minha carne - e não sabes o que tem a minha carne -
que também te provoca desejos
fome
desespero

onde nossos instintos se cruzam
- estômago.

instinto de correr para os teus lábios bonitos
que me contam pequenos mistérios
teus delitos de amor e outras guerras

onde hei de morrer - um dia - feliz.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

sobre as pulsações do medo

Apavora-me o monstro que sou quando sinto medo. Amedontra-me o ódio que dizes sabotar o desejo. Espanta-me a intermitência negra da neve que me cobre os olhos, que me repele e me mantém fundida à lava que me transborda. Medo dos dias gris que cobrem nossos rios e nos afogam em parcimônia, quando queremos maresia e turbulência. Medo das calmarias e das multidões que atropelam mundos. Da morte rasa - porque a morte precisa ser lenta e profunda. Da minha própria maldade. Das rouquidões contidas, da falta de voz. Do grito. De estar quando preciso ser. De ser quando só devo estar. Das praças vazias. Dos bancos de ônibus. Da distância. De muros com cacos de vidro. Do gosto que tem tua pele. Dos medos que não sentimos quando queremos morrer. Dos meus detalhes em tua boca. Do teu saber-me tua, infinitamente. Do infinito. Medo das intermitências do medo. Das pulsações loucas que piscam as luzes do caminho. De mim. Do teu pulso. Do teu medo da minha raiva. Da minha candura. Da obscuridade das minhas lacunas em teus lábios bonitos.
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

a ti, memória

Há um som que reverbera dentro do corpo. Um grito de memória. Um convite à dança em plena madrugada. Todos os segredos e os muitos nomes das mulheres que me habitam a carne. Porque sou todas essas [aquelas] que dilatam peitos, veias e gargantas. Sou de dilatar mundos, causar tempestades, amores, danos irreversíveis, desejos imundos, saudades loucas. Sou um lugar no tempo passado [presente?]. Uma praga de marcar peles, pelos e reticências, de marcar sílabas. Deixo-me macular pelos pensamentos de tuas vogais em meus ouvidos, pela música que me habita os poros, pelas indecências de cantos de livros - o que seria de nós se não pensássemos palavras sujas? Desfaço-me em ideias absurdas, em fogo líquido, em rosnares-grunhidos-arfares-poemas. Sou toda pecados. Sou não-esquecimentos. E tu, memória, és castigo. És desfiladeiro carmim repleto de cheiros. Tu, memória, carrega minhas vísceras em tuas mãos e te banqueteias com o que há no avesso de mim. Tu balbucias meus nomes entre teus dentes sujos de sangue, tuas unhas ferozes de amor. Dedico a ti, memória, meus risos, minha infâmia, meu choro.
 
Sou inteira saudades.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

línguas

entre papeis
esquecimentos
entrelinhas
entre lábios-vestígios
abismos
mordeduras
retorno escarlate
curvo, curvas
línguas.