Às vezes a madrugada é longa demais, quente demais, insone demais. E eu penso demais em madrugadas assim. Sinto demais em madrugadas assim. Desejo demais em madrugadas assim. E sempre desperto com uma voz que me chama com urgência, como se realmente precisasse acordar e continuar pensando, em estado de vigília ou qualquer merda nesse sentido. E isso me desespera: levanto descalça e vou procurar a voz miserável que não me deixa dormir. Sento para escrever - não consigo. Não consigo porque simplesmente não escrevo quando penso demais - disse isso a Tácito dia desses. E penso naquelas coisas de me saber, de não me saber, de ser e não-ser - aquele lance filosófico que ele adora. Talvez Tácito tenha alguma razão e isso me deprime um bocado, me fazendo voltar à origem e me olhar no espelho: quem sou eu? Se eu sei quem sou? Claro que sei! Mas não digo. Se eu disser, talvez saia algo errado, porque as palavras são tão flutuantes... Não há precisão nelas. E não quero ter cuidado com elas. Lê nos meus olhos, nos meus gestos, na minha boca, no corpo gasto de mulher, nas linhas em branco. Como representar exatamente um estado de espírito? Foda-se. Eu não posso me analisar. Quem poderia? E essa psicologia é tão barata, tão ordinária... Eu posso enganar o diabo - ou despistá-lo com enigmas porque eu não quero que ele me saiba. Eu me sei. Por mais apavorante que seja, eu me sei e não sei na mesma proporção - fifty-fifty. E essa condição não me faz conhecer menos, exatamente porque para se saber ser é necessário também saber o que não se é (o meu português está sofrível hoje?). E quando alguém me pergunta "qual é a tua?", eu sorrio. Só sei que gosto de estar aqui agora. Estou exatamente onde quero estar. E respondo: "não me decifra, homem. Me devora."
Um comentário:
Nossa, que conflito!
Tem gente que vê muitas diferenças entre decifrar e experimentar. Eu sempre enxerguei uma linha tênue entre essas duas palavras, principalmente no que diz respeito ao ser humano.
Bjs!
Postar um comentário