EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Entre sem bater

Entre. Não há trancas ou segredos. Está tudo simples - é tudo simples. "Entre sem bater", diz a placa na porta. E o receio do desconhecido não habitado dessas paredes é o que te freia, o que perturba teu juízo em palavras diferentes do que conheces - talvez sejam as mesmas; talvez tu estejas diferente. Precisamos de mapas, localização, razão, precisão de cálculo - fingimos que acreditamos nessas baboseiras racionais e cinzas da engenharia. Precisamos de provas químicas - porque as físicas são bem mais óbvias -, tu balbucias no silêncio do teu lado do mundo. Na verdade, isso queima tudo ao redor, lambe de fogo as considerações alheias - alheias ao que há nesse cômodo escuro de paredes de carne (porque as pedras há muito já foram destituídas de nós). E teus olhos me sugerem uma embriaguez vulcânica gozosa, um convite aos gostos e aos cheiros. Pelos, peles e verdades apartados pelo espaço. Ignoramos as ranhuras das paredes e os espelhos estilhaçados pelos antigos moradores.
Entre sem bater. A casa está vazia e quer parir novo piso, novas cenas, testemunhar nova vida brotando dos azulezos vermelhos - quer engravidar de nós.
Entre sem bater e apague a luz. Faça um breve silêncio de 87 horas ininterruptas dentro da minha boca. Porque me sinto viva novamente. E quero gozar na velha casa nova.

3 comentários:

André disse...

humm, vou pedir abrigo nessa casa!

Anônimo disse...

É de tirar o fôlego delirante fazer um breve silêncio de 87 horas
ininterruptas na sua boca no meio da escuridão.

Imagino lá dentro, sentindo todo o seu fluxograma pulsante e controlando cada compasso do meu som inquieto e latejante...
provacado por cada hora, minuto e segundo. Esperando o momento certo, até que passa, penetra, movimenta, roça, machuca...até o ápice que jorra quente e molhado,
feito uma erupção vulcânica. Que derrama, queima, me deixando completamente refém da alma, da carne e entregue a soberba de quem ladra, bate e machuca...porque és tudo; doce ninfa delirante.

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Eita!
o.O

Tirando o "fluxograma" (que eu não consegui contextualizar ali), esse seu comentário foi bem bacana, Sr. Anônimo. Gostei do "doce ninfa delirante".
Meio íntimo pra um desconhecido, mas tá valendo. Fico feliz que tenha gostado.
Obrigada!