EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 16 de janeiro de 2011

sobre a paz osculante

Ilustração: VIII Les charmes de Fanny exposés - Édouard-Henri Avril
O corpo inteiro inquieta. Uma tremura diferente, uma agitação involuntária. Uma oscilação nervosa e ritmica. Suspiros. Pensamentos alados. Um céu de nuvens acinzentadas por trás das pálpebras. Um ponto nervoso e elétrico. Silêncio banhado em língua e saliva. O gosto da origem do mundo, do parir da vida - doce encarnado no centro de tudo. Estímulo faminto em meio à semi-consciência. Um queimor mágico e ascendente, flutuante, em curvas invisíveis e roucas. Grito contido na garganta, receoso de perder-se no caminho. Lida ardida e feroz. Coxas, boca, diálogos em outra língua. Um sussurro dentro da alma, que te ouve e responde e espera e recomeça. Dança cíclica clamando enchente, desgoverno, despudor. Uma pele. A paz osculante da terra prometida. Felicidade do gozar sem gozar, mais de meio que de fim. Gozo sorridente. Maré que sobe, desce, acalma e que, mesmo serena, não fenece. Pira inextinguível. Fome inesgotável. Um tanto de vida em um pouco de morte. Minha alma que se dilui - aos poucos - na sua. Destemperança aguda. Derretimento. Meu estado das coisas.

Um comentário:

Veiote disse...

Quanta inquietude nessa alma! O pavio já não é mais loooongo,rsss!