EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Evangeline...

"Evangeline, a louca." Era assim que ele e os amigos referiam-se a ela. Ela uma moça de comportamento extravagante, não havia como negar.
Não era o que se podia chamar de ícone de beleza; era pequena e robusta, de ancas largas e coxas e braços roliços. Mas Evangeline tinha o frescor das musas de olhos brilhantes e sorriso lúbrico. Rodopiava de braços abertos em dias de sol, esperando que alguma lufada de vento levantasse o vestido e ria, ria, ria como criança, gargalhava com as brejeirices de quem não era mais menina. E ele a tudo observava, maravilhado, imaginando que era justamente o procedimento estapafúrdio de Evangeline que a tornava tão atraente, diferente, realmente peculiar. Eram diversos, e mesmo assim, muito parecidos: ele era metódico e tinha a gravidade dos 30, apesar dos vinte e poucos; ela, aos 30, era desorganizada e escandalosamente apaixonada, como se ainda fosse a melindrosa adolescente de anos atrás. Mas quando se olhavam e enroscavam as pernas na rede, eram iguais: riam das mesmas coisas e gostavam do jeito que se amavam e beijavam. Faziam juntos música e poesia que ninguém entenderia, só eles.
Evangeline era louca ao ponto de provocar nele ereções em filas de supermercado ou banco, até mesmo sendo capaz de fazê-lo numa missa dominical, se assim desejasse. Fazia coisas inusitadas na cama, e quando ele achava que ela não poderia mais inventar nada, surgia algo diferente. Pedia para que ele a machucasse, para que a marcasse a dentadas ou tapas e depois exibia as marcas, triunfante, aos amigos. O que deixaria encabulado qualquer mortal, Evangeline mostrava com orgulho.
Evangeline chorava se ouvisse história de criança abandonada ou se visse borboleta que não pudesse voar, mas torturava formigas, arrancando-lhes as patinhas. Era doce e sádica, cruel e delicada. Evangeline era diferente do que se chamava de mulher.
Evangeline esbravejava desaforos a quem os quisesse ouvir e a quem os repudiasse também. Ria das reações alheias, gostava de escandalizar, de seduzir.
Evangeline era um anjo, uma rameira, era mil vezes ela mesma. Não tinha medo de nada. Ou quase nada: nas noites de chuva, quando Thor enfurecia-se, corria para o colo do amado e fechava os olhos, pedindo que ele cantasse canções que só eles conheciam...
Evangeline era uma menina. Aos trinta e poucos.


2 comentários:

E Agora José? disse...

Evangeline parece ser uma pessoa interessante. Instável como as tempestades, mas tão admirável quanto.

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Você não imagina o quanto...