EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

não sei quantas almas tenho...

(Imagem: O Pranto de Alma Welt, de Guilherme de Faria - http://pinturadeguilhermedefaria.blogspot.com/)

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

3 comentários:

Guilherme de Faria disse...

Oi Nina, Marie, etc...
Fiquei feliz de ver aqui um quadro de minha autoria: "O pranto de Alma Welt", ilustrando um poema do grande Pessoa, neste blog tão bonito. Parabéns pelo seu bom gosto e talento. Vou ler mais coisas por aqui. Sucesso!
Abraço do Guilherme de Faria

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Guilherme,
Fico feliz de saber o nome do autor... Só não coloquei porque não sabia mesmo... Agora precisarei complementar o crédito...
Eu também sou artista plástica e sempre busco algo "plasticamente interessante" para ilustrar os posts...
Fico feliz de ter encontrado "O pranto de Alma Welt" para interagir com Fernando Pessoa...
Minhas humildes saudações pelo trabalho maravilhoso.
Seja bem vindo por aqui e volte sempre.
Abraços

E agora José? disse...

Realmente, o poema é muito bom, cheio de jogo de palavras e idéias. Eu adoro ver como o Fernando Pessoa tinha essa coisa de múltiplas personalidades, em outras situações, ele teria ido é pra camisa-de-força. Sorte nossa que ele decidiu escrever, na literatura tudo é lícito, se tiver bom gosto. E falando em bom gosto, devo dizer qua a Nina realmente tem um gosto finíssimo, o quadro "O pranto de Alma Welt" ilustrou maravilhosamente a poesia, sem se identificar diretamente, a intertextualidade entre os versos e a imagem se faz presente e bela. Parabéns para a Nina, pelo bom gosto em escolher e encontrar essa ligação subjetiva entre o texto e o plástico e ao autor do quadro, que vai do excitante ao desesperador em um simples olhar.