EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 23 de junho de 2008

diário de salomé (o confessionário)...

Apesar do meu ofício, nada impede que tenha minhas crenças, que acredite na redenção e no perdão divino.
Lembro-me bem: era terça-feira. Precisava fugir das carolas que freqüentavam a igreja aos domingos e segundas-feiras. Repudiavam abertamente a minha figura, sempre muito bem vestida e com um ar deveras respeitável (quem disse que prostitutas são criaturas amorais ou imorais, enganara-se). Muitas vezes, em tom provocativo, ostentava jóias que recebera por meus préstimos pessoais aos velhos coronéis ou mesmo por gentis cavalheiros galanteadores que, esperançosos, tinham a bela pretensão de me tirar do meretrício e dar-me uma vida "decente", onde passaria a ser esposa e mãe. Na maioria das vezes, as jóias eram presentes dos maridos daquelas senhoras capazes de me apedrejar, se isso lhes fosse permitido. Bem sei, na plena execução de minha profissão, o que acontece a decentes esposas e mães...
Tinha um bom trato com meu confessor, um padre que me acolheu muito bem naquela paróquia desde que cheguei à cidade. Por muitos anos, acompanhei minha "mãe" (a saudosa senhora que me abrigou em seu prostíbulo ainda na fresca adolescência) à igreja, no mesmo dia da semana, para livrar-se (das mesmas) carolas. E ela confessava seus pecados, de coração, pois assim como eu, também acreditava na remissão dos erros.
Naquela noite, meu velho padre caiu doente, impossibilitado de ouvir minha confissão e dar-me penitência. Mas sabia que precisava, mais do que qualquer outro, do perdão divino. Por isso, mandou o novo sacerdote atender-me. O havia visto duas ou três vezes pelas ruas da cidade. O jovem franciscano tinha um ar inocente e, ao mesmo tempo, viril. Sempre fantasiei profanar o templo sagrado, mas isso juntava culpa ao meu desejo. Além do mais, o velho padre era como um pai para mim, o pai que não tive, pois aquele que abusou da minha fragilidade infantil eu via na figura dos velhos que babavam sobre o meu seio, depositando o sêmen escasso dentro de mim. Mas o jovem sacerdote reavivou o desejo imundo que eu escondia.
Comecei a relatar minhas contravenções bacantes, pormenorizando - propositalmente - os atos mais sujos, inclusive aqueles pelos quais já obtivera perdão, pois já haviam sido confessados e devidamente penitenciados. E fazia perguntas ao jovem franciscano, cuja voz tremia, talvez pela inexperiência, talvez pelo desejo que meus pecados provocavam nele.
Dentro do silêncio da velha igreja, ouvia-se apenas vinha voz, baixa, rouca, sussurrando obscenidades ao casto rapaz. E depois de um tempo, ouvia o roçar da mão dele sobre o tecido de sua veste, tentando acalmar o sexo que latejava contra sua vontade. E o meu molhava-se por baixo do vestido longo que usava (por hábito) sem calcinha.
Àquela altura, a culpa já havia me abandonado, e meu demônio interior possuiu-me, fazendo levantar e ir de encontro ao jovem monge, indo para o outro lado da grade. Lá estava o franciscano, sentado, ruborizado e teso por baixo da veste pesada, apalpando-se. Prostrei-me de joelhos à sua frente, em posição devota.
- Por favor, irmã... não...
E antes que pudesse continuar, minhas mãos pequenas e macias levantaram cuidadosamente seu costume, indo de encontro ao sexo ansioso. Ele resistia, e, fraco, tentava impedir, delicadamente, que eu continuasse... até começar a magnificar seu membro com minha boca. Ele estava entregue.
Suas mãos - inábeis - buscavam apoio em algum lugar. Retorcia-se no banco, pedindo clemência a Deus pela imundície de seu ato, e pedia por nós dois. E quanto mais ele pedia, mais excitada eu ficava.
Enquanto o engolia, meus dedos desabotoaram o vestido para que ele pudesse ver meu corpo, tocar minha pele, desbravar meus seios. O sexo puro já pulsava em minha boca, anunciando o gozo, enquanto ele mordia as mangas da veste para não gritar de desespero.
Coloquei-me de pé a sua frente, obrigando-lhe a fitar meu corpo nu, conduzindo sua mão ao interior de minhas coxas. E quando os dedos descobriram a gruta quente e molhada, ele estremeceu, quase gozando somente ao toque. Gemi baixo, retirando sua mão e levando-a à sua boca. Instintivamente, ele abocanhou o dedo, sentindo o gosto que tem uma mulher.
Sem que pudéssemos mais resistir, fomos ao chão. Com o instinto animal que todo homem tem, colocou-se sobre mim, enterrando todo o desejo que sentia entre minhas pernas. E lambia-me o rosto, os cabelos, o pescoço, como um cão no cio.
E veio. Explodiu dentro de mim, depositando o líquido quente e glorioso de sua alma em meu ventre.
Chorou. Eu o acalentei em meu seio e disse que ficaria tudo bem. Ajoelhamo-nos e rezamos juntos, pedindo perdão pelo pecado que havíamos cometido ali, na casa do Senhor.
E meu jovem monge partiu na manhã seguinte, nunca mais retornando à pequena cidade.
Hoje brinco com meu querido amante, suplicando-lhe que seja meu pastor, meu monge, e que me castigue fervorosamente em nossa alcova, para lavar minha alma de todo o pecado que já cometi na vida...
Salomé

5 comentários:

jim d disse...

Só tenho uma coisa a dizer...
CARAMBA>
Li em um gole. pena que acabou

I'm Nina, Marie, etc... disse...

Salomé ainda tem muito a contar em seu diário...
;)

Priscila disse...

O.o
Deixa eu sair desse estado atônito, calma *2 minutos*
Essa coisa com padres....tsc,tsc.
Pena que tenho tido pouco tempo. Mas fiquei interessada, hahahaha

Lúcia Welt disse...

Nina querida
Maravilhoso o teu conto! Forte, excitante, corajoso e até misterioso. Pois tu, guria, és misteriosa em tua sensualidade avassalante, em teus olhos de moura, enormes e oblíquos, que vi no vídeo, a declamares o teu poeta José, erótico como um sátiro de outrora.
Olha, querida, já que também gostas de provocar os padrecos, recomendo-lhe o conto da minha irmã, "O Padre" (lá no blog
www.prosadealmawelt.bogspot.com
e a sua continuação: "A absolvição da Alma".
Beijos e mais beijos
da Lu

E agora José? disse...

Salomé, Salomé, quem duvida da sua fé? Muito bom, a idéia de pecado e redenção, o sexo é uma arma poderosa que pode tanto redimir quanto condenar. Estou curioso para saber o que mais está escondido nesse diário...