EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

a barca...

Aqueles dias amanheciam invariavelmente bonitos. Havia sol, sempre. E o calor dos dias de primavera em pleno outono.
O tempo corria contrário ao desejo de que parasse enquanto estivessem juntos. Enlaçaram os dedos e observaram em silêncio a barca aproximar-se. O fim de tarde parecia querer colorir o céu de lilás.
Enquanto a embarcação preparava-se para receber os passageiros, ele observava a nuca da mulher à mostra, os cabelos presos no alto da cabeça num coque. Ela usava um vestido que mais parecia um roupão oriental, de tecido fino e florido. Parecia uma gueixa.
Os pensamentos instigaram os sentidos e trouxeram lembranças de um passado recente, de quando se encontraram pela primeira vez. Havia aprendido a treinar a memória dos sentidos, recordando gosto, cheiro, a sensação nos dedos ao fazê-la gozar. Ainda podia sentir o primeiro beijo, a pequena boca ao primeiro toque.
Seus pensamentos foram interrompidos pela pequena mão o puxando, conduzindo ao interior da embarcação que já havia atracado.
Ela parou diante de uma grade, de onde poderiam observar o mar durante a travessia, sentindo o vento e o cheiro de maresia.
Ainda perturbado pelos pensamentos de alguns momentos antes, colocou-se por trás dela, beijando-lhe a nuca. Ela sorriu maliciosamente, sem tirar os olhos da água. Era o sorriso que sempre usava quando queria provocá-lo, o mesmo sorriso de puta que o fazia desejar dar-lhe pequenos tapas para puní-la por ser tão indecentemente desejável quando estava dentro dela. E ele não dava, pois sabia que ela continuaria sorrindo mais. Precisava que ela pedisse, que implorasse. E somente quando o gozo chegava, ele cedia à vontade dela, e urrava como louco ao vê-la sorrindo e gemendo e enlaçando as pernas em torno de sua cintura, enquanto o corpo tinha espasmos entorpecentes...
Encostou-se com mais força em seu corpo, pressionando contra a grade. Havia uma mecha de cabelo que bailava ao vento, enquanto ele gemia e arfava baixo com a boca quase dentro de seu ouvido. E ela sorria, sentindo que ele pulsava contra o tecido leve do vestido, na altura das ancas, quase esquecendo de onde estavam e que havia dezenas de espectadores. Lambeu o lóbulo branco da orelha que se insinuava entre os fios que se soltavam do alto da cabeça. Queria mordê-la, arrancar-lhe um pedaço, engolí-la. Queria comê-la inteira, ali, bem ali.
Foram os vinte minutos que serviram de preliminares para a noite que viria...


(continua...)