EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

where the wild things are


Definitivamente, não é um filme para crianças. É um filme sobre crianças. Mais ainda: é um filme sobre sentimentos infantis - não que tais sentimentos não nos acompanhem pelo resto da vida, mas nossos monstros são diferentes. Eles também crescem junto conosco. Até arriscaria a relação monstros x crianças e demônios x adultos. É quase uma evolução pokemonística from hell, como diria o amigo Marcus Vinicius (sim, posso imaginá-lo dizendo essas palavras).
Os sentimentos (falo dos monstros) têm seu próprio refúgio, sua ilha. Existem, vivem e comem sem o nosso consentimento. Apenas estão lá (ou aqui) em algum lugar. São parasitas. Nós os alimentamos inconscientemente. São réplicas miniaturizadas de nós mesmos, as porções engarrafadas - e concentradas - que não queremos enxergar.
Os rompantes de paixão ou de fúria (qual a diferença, afinal?) trazem à tona esses camaradas confusos. Eles saem daquele canto escuro da alma para mostrar que existem, que são fortes, que podem vencer. E aí vem o medo, um outro camaradinha que chega para incitar os outros, acionando mecanismos de defesa que você desconhece - ou simplesmente não percebe. E não percebe porque você não se vê, apenas (re)age. Está armado o espetáculo no circo de horrores. Fúria, tristeza, pessimismo, medo... Você se acha rei e pensa que pode controlar tudo com seus superpoderes invisíveis. Você - no alto de sua empáfia - realmente acredita que pode fazer tudo ficar bem novamente com essa soberania torpe. Mas você só consegue dominar seus monstros quando abre o armário e os encara nos olhos assustadores. E encará-los assusta. E o medo quase te vence. A fúria quase te domina. Os monstros quase te devoram - sim, porque os sentimentos te devoram de dentro para fora. Literalmente.
No meio disso tudo, lá no canto, você encontra um pouco de paz e coragem. Você olha as suas réplicas monsterizadas e, pela primeira vez, se enxerga. Você não gosta do que vê. Chora. No centro desse tornado que tenta te sugar para algum lugar onde não haja sol, você se segura. Fecha os olhos e desiste de vencer seus outros "eus". Percebe que basta respeitá-los. Resolve conviver pacificamente com eles. Decreta, enfim, o fim da guerra.

Um comentário:

E agora José? disse...

Crescer não significa deixar de lado os monstros. Mas é preciso compreendê-los. Então percebemos que as nossas guerras de outrora não passavam de faniquitos sem sentido.

E que a nossa fúria animal de antes, que só quer atenção e destrói tudo acaba virando a paixão, que consome tudo para ser dividida. Algumas coisas merecem serem defendidas até o fim, outras, ignoradas. Como somos quando crianças, quando precisamos ficar a sós para nos entendermos.

Os monstros infantis e os demônios adultos são parentes, entre eles e também nossos. Entender que não somos inimigos e sim uma família é o que torna as coisas melhores.