EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O gato

Ela se lavou até sentir a pele arder embaixo d'água. A visita dele sempre a perturbava ao pé da escada.

Chegava no meio da noite, sorrateiro feito um gato, e acertava sua janela com aquelas malditas pedrinhas que tilintavam aqui e ali e a despertavam de um quase sono, de um quase sonho. Então descia trôpega e descabelada, enrolada em uma camisa qualquer, vestida apenas de pele e pelos por baixo. Beijavam-se como se tivessem acabado de conversar, como se ele sempre tivesse estado ali. E a colocava de rosto grudado na parede para balbuciar desejos inconfessáveis e amores reprimidos. Rasgava sua carne e lambia seus ouvidos. E a amava por vinte minutos e partia novamente. Simplesmente partia.

Ela voltava e esfregava o corpo embaixo d'água para fazer o amor diluir e escorrer ralo abaixo.

A visita dele sempre a perturbava ao pé da escada.

Nenhum comentário: