EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Mais uma dose

Mais uma dose. Ele tossia compulsivamente enquanto ela gargalhava no canto urinado do quarto imundo. Aqueles olhos que reviravam eram lindos e menos brilhantes naquele momento. Olhos de cor estranha, não sabia se pela sua vertigem ou se pela loucura passageira que a assolava. Era linda quando estava louca, quando estava alta, quando estava bicho.
Arrastou-se para o seu lado e passou o braço em volta dos seus ombros, buscando algo de consolo e calor. Tudo era frio e cinza e aquela gargalhada era a única chama a aquecer o seu mundo. Mas ela parou. Olhou para ele e o mandou para o inferno. Afastou-se. Começou a gargalhar novamente.
Com a boca seca, ele se dirigiu novamente para perto dela, mas ela novamente o hostilizou, vomitando agruras e estranheza. Mostrou-lhe, então, a agulha. Ela sorriu apática, estendendo-lhe o braço. A euforia injetável pulsou forte na veia, espalhando-se em espasmo elétrico por todo o corpo, até o espumar da boca.
Ela era tão linda quando estava morta...

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