Amanhecia. Tentou se mover mas o peso sobre a coxa a imobilizava: ele dormia entre as pernas de Anaïs, com a cabeça apoiada em sua coxa esquerda. A simplicidade daquele momento causava-lhe comoção. Estendeu a mão e alcançou o maço de cigarros no criado-mudo.
Tragava lenta e profundamente, como se fosse o último cigarro de sua vida. Olhava através da espessa cortina de fumaça que se formava à sua frente, com lampejos de memória das horas que antecederam o dia."Afinal, quem diabos é você?", sussurrou entre um trago e outro.
A cabeça do homem moveu-se lentamente em direção ao meio das coxas brancas, beijando-lhe o sexo.
- Bom dia, Anaïs. Adoro beijar sua boca pela manhã. Gosto de sua saliva - disse, rodopiando lentamente a língua em torno do clitóris.
- Você ainda não me beijou a boca esta manhã...
- Acabo de beijá-la...
- Eu não sei ainda o seu nome...
- Sabe, sabe sim. Sussurrei em seu ouvido várias vezes esta noite...
Subiu a língua pelo umbigo, barriga, vale dos seios. Anaïs fechou os olhos.
- Não lembro... Quero saber seu nome...
- Então me conte seus segredos - balbuciou com a boca grudada à pele.
Sentia a tensão sexual pulsar de encontro ao seu corpo, fazendo com que se desesperasse de medo, angústia, desejo.
- Do que você tem medo, Anaïs? - falava lentamente, como se temesse afugentá-la, enquanto tomava a mulher aos poucos.
Sentia-se cada vez mais intrigada. Estava perdendo o controle, sumindo de si, escapando do mundo real. Ele não parecia real. Mas sentia a pele, o cheiro, o desejo crepitante. Ardia. Doía. Queimava como o inferno.
- Por que você não diz logo a porra do seu nome?
O homem saiu de cima de Anaïs, sentando-se à beira da cama.
- Venha aqui. Não precisa ter medo de mim.
E quanto mais ele se esquivava, mais Anaïs se desesperava. "Que tipo de pessoa não diz a porra do nome?"
Levantou-se e fez menção de apanhar o vestido, mas ele a tomou pelo pulso e repetiu:
- Venha cá.
Beijou-lhe a barriga.
- Você me ama, Anaïs?
- Não. Eu te odeio.
- Então prove.
Deitou-se, deslumbrando Anaïs com seu desejo. Sentou-se sobre ele, sem resistência.
- Filho da puta... Vá embora...
- Você quer que eu vá?
Anaïs respondia com os quadris, subindo e descendo devagar, mordendo o lábio inferior.
- Quero... - balbuciava rouca, sentindo o ódio se acumular no ventre, junto do amor.
- Então me conte... tudo... agora... bem devagar... - disse ele, segurando Anaïs pelas ancas e controlando seus movimentos.
- O diabo ... pode citar as escrituras... quando isso lhe convém...
- Shakespeare... boa menina... diga mais...
- Eu... eu fiz coisas ruins...
- Como você fode gostoso, Anaïs...
- Eu... não queria... ah... desgraçado... suma da minha vida...
- Eu não estou fazendo nada, querida...
- Eu gostei... de ver... o medo...
- É gostoso, não é? Isso... fale, Anaïs... coloque a raiva pra fora...
Anaïs sentia que o mundo acabaria dentro dela. Sentia uma inquietação sem explicação, sem advertência, sem rumo. Ódio e amor estavam ali, diante dos olhos, entre as pernas. E enquanto gritava suas agruras, o outro jorrava satisfação no centro de seu mundo, no meio de sua alma, de sua lama, de seu ventre.
Cansada, deitou-se sobre o homem.
- Eu sou o seu demônio, meu anjo. Eu não existo.
Afagou os cabelos de Anaïs enquanto ela adormecia em seu peito, ouvindo as últimas palavras.
[continua...]
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