EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

no limbo da memória

Às vezes ficam restos de algumas coisas pelo caminho - pelo chão do quarto, pelo sofá da sala, pelo armário do banheiro. E não são restos ou rastros de outros - são rastros de nós mesmos. Simplesmente porque fazemos questão de esquecer, mas esquecer também faz parte de lembrar. E lembrar de algumas coisas significa esquecer de outras, uma confusão de memória fundida entre lembrança e esquecimento, feito capuccino. E, assim como o capuccino, há um terceiro elemento, um lugar neutro e aglutinante. É o limbo onde se escondem os vestígios da gente. E nesse monte de bagulhos revirados eu preciso pescar algumas lembranças, mas é uma procura tão intensa que chega a ser cansativa. É como procurar um soutien que você sabe que perdeu dentro do seu próprio quarto e que não consegue mais achar - o que chega a ser quase absurdo. É como esquecer um fato íntimo que só foi confiado a você e lembrar de uma miniatura de porquinho rosa que vinha de brinde numa coleção de fazendinha de uma marca de margarina (ou seria leite?) há trinta anos. É como esquecer de quase tudo que houve entre os onze e os quinze anos porque, no fundo, você queria que muita coisa não tivesse acontecido - você sabe que aconteceu mas não lembra como ou quando aconteceu exatamente. É como precisar juntar sempre os pedaços para me ver inteira de novo.

Nenhum comentário: