EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Medo, Desejo e Morte

Arriscava-se pelas curvas embebidas em álcool e aromas. Contorcia-se e embebedava-se, sem juízo. Não queria ser o outro, por mais que seus impulsos o arrastassem na direção da masmorra guardada nos dias gris. Morria e voltava a nascer e lançava-se novamente contra Morte, acridoce e bonita nas noites suicidas. E sorria instigante, travando combates que recomeçavam a todo instante, com dentes sujos de sangue e saliva a correr pelo canto da boca, feito besta desarvorada.
E quando Medo perguntou-lhe se alguma inquietação o afligia quando suas unhas cravavam a pele da Morte, Desejo respondeu:
- Morte é ousada. E todas as vezes que meus dentes e unhas manifestam-se em sua carne, Ela me sorri e me beija o espírito, suplicando para que eu alongue seu sofrimento, sua angústia, que adie por mais uma eternidade o recomeço. E o fim é glorioso, sublime, erótico. E então Morte cerra seus olhos, extasiada, tragando-me inteiro em seus lábios, consumindo-me na brevidade de um suspiro. Eis que renascemos.
Medo então parte, deixando Desejo a sós com seus devaneios gozosos e visões proféticas romanceadas em discursos amorosos metaforizados e estrelas cadentes.

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