EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 23 de maio de 2009

a púrpura mente psicótica...


Não há mais voz. Ao contrário do que dizem, o som vem de algum lugar mais profundo que a garganta. Eu sabia, não podia ser tão raso. 
Por algum motivo, depois que as mãos ficaram sujas, não posso mais falar. Isso é ruim. Como vão saber o que penso? Os relatos, todos eles, estão trancados em minha cabeça, cercados por paredes intransponíveis, como uma fábula muda qualquer. E meu olhar perdido, pétreo, esse olhar me abandonou antes do anoitecer. 
Limpei as mãos na roupa, mas elas não desbotaram. Continuam da mesma cor, imundas da merda do sangue de gente louca. Como posso dizer que sou inocente? Mas eu sou inocente... não sou?
E agora, e esse caminho? Não é o meu quarto, não tem mais a minha cama, é apenas um caminho escuro que estou percorrendo descalça. Não é mais o corredor, nem o saguão, nem as escadas da entrada. Ficou tudo para trás. Agora que fugi, não sei que rumo tomar. Estão todos atrás de mim. Preciso da mamãe, da sopa quente, da canção de ninar. Mas mamãe não cantava. Não para mim. Preciso buscar o vestidinho roxo, aquele vestido púrpura que eu tanto gostava. Tudo era tão bonito e tão... púrpura. 
Preciso correr. Preciso tirar essa roupa e lavar as mãos, senão podem pensar que sou louca... ou que matei alguém.


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