EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 10 de agosto de 2008

gray and cold...


Aymée aproximou-se da janela e observou o céu nublado. Era um cinza estranho e frio, porém com um encantamento melancólico, um quê de indecifrável. O mar agitava-se a 50 metros de sua janela, misteriosamente.
O vento soprava cantigas que relembravam a infância e Aymée cantarolava para não esquecê-las. Precisava ter o passado presente para que não esquecesse sua identidade. E as ondas que dançavam no mar agitavam-lhe também o estômago, o peito, a alma. O vento cantava para o mar valsar, e Aymée, testemunha da comunhão perfeita, invejava o baile a sua frente.

Lembrou-se das longas viagens de carro de quando ainda era apenas uma menina. O vento sempre cantava. E as ávores agitavam galhos e folhas, harmonicamente. A pequena Aymée viajava com os olhos grudados na janela, imaginando como seria correr pelos campos que avistava, como seria perder-se nas imensas florestas de araucárias ou se deitar nos pastos verdes e cheios de colinas que passavam rapidamente pelos seus olhos. Por esse motivo, Aymée sempre preferiu as viagens de carro, pois nelas podia ver tudo: céu e terra, nuvens e pastos. Não havia melhor lugar para avistar nuvens do que do chão. E as estradas revelavam nuvens de todos os tipos e formas, enquanto apostava corridas imaginárias entre o carro e as partículas de água suspensas na atmosfera. E a sofreguidão pueril as transformava em animais e algodão doce, em crianças brincando de roda e tristes pierrôs a soluçar por suas colombinas.

Uma gota atingiu o nariz de Aymée e a trouxe de volta à realidade do dia cinza, deixando para trás as nuvens brancas e os campos verdes de sua infância. E Aymée perguntava-se em silêncio por que o mundo dos adultos mudara a cor de suas nuvens, o calor de seus dias, o verde de seus campos, o encantamento de suas estradas.

De repente tudo era cinza e frio. E havia um enorme oceano a sua frente. E uma outra pátria depois dele.
Um soluço seco irrompeu de sua alma e fez vibrar o corpo de saudade...

2 comentários:

Priscila disse...

Eu sempre tive medo do mar.
No entanto, o vai e vem das ondas, tinha um poder, uma atração sobre mim, que no fim das férias eu quase me via engolida por elas, sempre.
Queria ter ficado tb na minha infância, olhando o mar.
=/
Araucárias? Hum...

E agora José? disse...

"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar"

Tanto Mar, Chico Buarque


"Das araucárias e pinus envolvidos na fragrância
Os ventos te cantam hinos, terra de nossa infância."

Hino de Itararé