EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 4 de agosto de 2007

hope...


Havia perdido a noção do tempo. Acordara ainda tonta e com gosto de sangue na boca.

Olhou ao redor e percebeu que estava só. O demônio não estava mais por perto. Tentou levantar-se mas o corpo doía como nunca antes e sentia-se enjoada. Viu as marcas no corpo nu e lembrou-se... Imediatamente, golfadas de sangue quente saíram da boca de Nina, ao mesmo tempo em que lágrimas inundaram o rosto pálido.

Levantou-se lentamente e caminhou sem rumo, à procura de água; precisava lavar-se. Mais à frente encontrou um pequeno córrego. Entrou na água e mordeu os lábios, chorando em silêncio, imaginando que nem em mil anos conseguiria sentir-se limpa novamente. Nina assustou-se com seu reflexo na água: parecia mais velha e doente. De repente, ouviu novamente seu nome sendo sussurrado, o mesmo sussurro que ouviu quando jogou-se da torre. Atônita, saiu da água e permaneceu imóvel por alguns instantes, na esperança de saber de onde vinha aquele sussurro.

"Seria o vento?", pensou Nina. "Meu amor, estou aqui", dizia silenciosamente, com medo de que o demônio voltasse. Por um breve momento, Nina sentiu calor novamente, sentiu seu corpo sendo envolvido pelo vento, seu amante, e sentiu toda a dor passar. As pontadas em seu peito cessaram e a garganta parou de arder. Havia esperança... sentiu-se protegida.

- Não te iludas, minha pequena. Ele não vai mais te levar. Teu lugar é aqui, ao meu lado, no inferno - disse o demônio, aproximando-se.

E fez-se frio novamente. Só que desta vez, Nina sentiu que poderia esperar pelo vento. Sentiu que podia lutar. Talvez o dragão que surgia aos poucos dentro dela fosse algo providencial.


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