EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

domingo, 23 de agosto de 2020

gatilhos

Passa das dez. Há um silêncio diferente se desfazendo por dentro da pele, na escuridão das ideias. Uma dor, uma redescoberta em meio à frieza dessa chuva que segue embaçando a janela. Meu demônio insiste em me sussurrar segredos encardidos e vulgares. É sempre noite quando essa sombra me abraça. Com ela vem um regurgitar ansioso e cambaleante de pernas e palavras trêmulas, crepitando nesse inferno particular multissilábico. "Pequena esfinge", lembrei-me. "Devora-me ou te decifro". O frio cede espaço ao rubor-enigma. Pactos-sonhos indissolúveis, livros de cabeceira, quebrantos de poesia nua lida em voz alta. A delicadeza entorpecente das feridas no revés da carne veste de miragem esse vulto feminino. O cansaço não vem das minhas indizíveiss mortes, mas das incontáveis vezes em que não morri. Essa é a minha bússola. Caleidoscopicamente revivo. Sou de novo todos aqueles pássaros. "Devora-me ou te decifro."

Nenhum comentário: