Abriu a porta do apartamento com o molho de chaves que Anaïs não conseguia manipular com as mãos trêmulas. Sorriu ao se deparar com a desorganização do apartamento, estranhando as notas amarelas espalhadas pelo chão e grudadas nas paredes. Os cinzeiros lotados denunciavam que o apartamento não era limpo há algum tempo.
- Onde fica a cozinha?
Anaïs apenas indicou a direção com um gesto de mãos, sem tirar os olhos dos pés. "Por que ele não me quer? O que eu fiz de errado? Droga, preciso fazer as unhas..."
Ficou pensando se devia mandá-lo embora de uma vez por todas ou se deveria levar adiante a ideia estúpida de que só dormiria se ele a comesse. Sabia que no fundo não se tratava disso, não se tratava de uma carência absurda - pelo menos era o que repetia em sua cabeça. Tratava-se apenas de uma questão de orgulho ferido, de desafio, de provar a ele - e inconscientemente a si mesma - que era soberana naquele mundinho de merda, naquele espaço infinitamente reservado e vazio.
- Vai ver você não é psiquiatra forense porra nenhuma...
Ele apenas riu, voltando da cozinha com duas taças do vinho que havia trazido.
- Sim, vai ver que sou um psicopata com sérias tendências homicidas... Enfim...achei as taças no armário da cozinha. Você vai beber? Se preferir, posso beber um pouco das duas taças pra você ter certeza de que não envenenei sua bebida... - completou, tentando conter o riso.
- Você é um grande filho da puta... O que eu tenho de errado?
- Um monte de coisas.
Aquela era a resposta que Anaïs não esperava ouvir.
- Por que você faz isso comigo?
- Não fiz nada. Você perguntou, eu respondi. Ou realmente acha que eu diria que você é perfeita?
- Sim.
- Errado.
- Você é um babaca.
- Eu sei.
Anaïs virou a taça de vinho de uma só vez. O homem dirigiu-se novamente à cozinha e voltou com a garrafa. Encheu o copo de Anaïs.
- Eu não sei o seu nome.
- Você não me perguntou, Anaïs.
- Eu não te disse meu nome também. Que porra é essa? Você é algum maluco? Como você sabe meu nome?
- Seu chaveiro tem o seu nome. Ou você divide o apartamento com alguém?
- Eu te odeio!
- O mundo existe, Anaïs. Apesar de você, o mundo existe...
Anaïs estava ferida. A taça de vinho foi lançada à parede e seus punhos fechados batiam contra o peito daquele estranho que insistia em insultá-la, como se alguém tivesse acendido as luzes do palco - do seu palco particular - no meio do espetáculo.
Ele agora deixava de ser afável. Segurava os punhos de Anaïs com força, empurrando-a contra a parede.
- Não, não quero mais você. Me larga. Me deixa em paz. Eu preciso fumar, me larga!
E quanto mais ela resistia, mais força ele usava. Agarrou Anaïs pelos quadris e a suspendeu de encontro à mesa da sala, ignorando as recusas entrecortadas por soluços.
- Me larga, seu filho da puta... Eu... vou gritar... - a voz tremia.
Anaïs imaginava que aquilo fosse alguma forma de tortura, que ele fosse parar novamente quando ela começasse a chorar. Mas ao invés disso, abriu suas pernas e se colocou de joelhos entre elas, ainda segurando os pulsos de Anaïs com apenas uma das mãos, lambendo e mordendo a parte de dentro das coxas, enquanto as súplicas eram substituídas por arfares e espasmos de corpo inteiro.
- Por quê? Por que você faz isso comigo? Eu ... te odeio...
E a boca afastou-se por um instante suficientemente breve para balbuciar:
- Porque você é louca, Anaïs...
[continua...]
9 comentários:
O personagem masculino mostra a cada conto ser o mais complexo e com muito estilo arranca Anaïs de seu mundinho de auto-piedade blasé.
Está ficando muito interessante essa relação dos dois personagens, meu amor, vou continuar a acompanhar.
Não creio que seja auto-piedade blasé...
Ela é demasiado humana. Mas talvez ainda não tenha descoberto isso.
... por que sempre acho a atuação das mulheres sempre mais intrigante?! serei eu admiradora da classe ou simplesmente ando sexualmente muito abalada?! beijos
Great. Lerei os anteriores. Existencialista. I like that. Quite deep.
Sei lá, Natália... As mulheres são, por natureza, mais intrigantes... Nós nascemos assim.
Quanto a estar abalada sexualmente... Well... Isso pode ser bom... ou não...
Anônimo,
É profundo (pra mim). E alguém já me disse que soava existencialista... E isso me deixa feliz. Bom que tenha gostado.
É ... a natureza feminina é de fato especial e complexa, cada dia que passa fico mais convencida de que nunca entenderemos de fato o que somos ou o que sentimos, visto que toda essa complexidade mágica tem e deve existir para que haja contos, poesias, canções... crônicas , histórias e situações...todas elas destinadas á nós e para nós rs! Parabéns pelos textos TODOS eles !
Orgulho pra classe ! rs
Oi Nina,como faço para seguir esse Blog? Adoro seus post,inteligentes,provocantes,inspiradores!
Oi, Daniel!
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Fico muito feliz que goste do que há por aqui.
Leia, acompanhe e se sinta à vontade para comentar.
:)
kkk sim! bora criar um blog coisasdemulherzinha! tou dentro!
Mas é verdade menina, eu como pessoa que esrevo muito sobre o outro e sobre mulher, sinto aqui no coraçãozinho que já posso levar a faixa de muiézinha viu! fora outros detalhes que depois te conto em off ! KKKK beijinhos e puxa o banco do lado, o BarMan é meu amigo e tua bebida não vai cobrar KKKK
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