EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

elíptica

Da fuga,
um arfar vadio
um encontro
um vacilo
um despertar monolítico
de um dormir sem sono
com pesar
sem sonho.
Como é doce a morte
sob as colchas,
retalhos do dia,
das horas, dos cacos do tempo,
porcelana mal feita
e lápide mal desenhada em meu corpo.
O travesseiro encardido
de olhos borrados me consola.
A roupa encarnada,
essa nudez desmedida de carne e alma,
esse mar ressacado de pequenos tremores e agruras;
a crueza do desejo desperto,
despertas, despertares oblíquos.
E se me afasto,
me buscas,
se me escondo,
me achas,
se me abro,
me fodes.
Vou, volto, permaneço.
Sigo elíptica.
Cerro os olhos e odeio teus modos
me enrosco em tuas pernas
a arrancar sangue da pele
que me cobre, conforta, adere.
E o o grunhir louco
tua voz a me chamar de puta
inclina-me, dobra-me, corta-me ao meio.
São teus dedos que me fodem o juízo.
É meu desespero aquoso
minha verdade branca
meu gosto pelo inferno.
Sou eu, apenas,
criança encarcerada nesse maldito corpo,
esse maldito corpo de mulher
a encarar o demônio e sorrir com dentes limpos e unhas sujas.
Esqueço as horas.
Ofereço o seio à besta chamada Tempo.
Não fujo.
Vou.
Volto.
Permaneço.
Elíptica.

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