EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

sábado, 8 de novembro de 2008

sobre o esquecimento...


"Como é breve o amor e longo o esquecimento."
[Pablo Neruda]

O coração batia descompassado a espera de um sinal. Olhava a porta que não se abriria novamente, com uma esperança infantil de quem aguarda que o final sempre mude e se torne feliz. Ali, no silêncio da sala, percebeu como o apartamento parecia, de repente, imenso. A janela aberta que revelava um azul escuro salpicado de pequenos pontos prateados mais se assemelhava a uma pintura: contemplava-a de longe, acreditando que aquele céu era fictício, irreal, imaginário.
Acendeu o último cigarro do maço e percebeu as mãos trêmulas. Olhou o relógio. Sentiu uma pequena pontada no peito, uma dor desagradável, e uma ardência na garganta. Era o choro que insistia em estrangulá-la e sacudir o corpo em soluços incontidos.
O ponteiro menor já havia dado três voltas completas em torno do relógio, avisando que ele não voltaria. A porta não se abriria mais. A realidade atingiu seu peito como um raio, forte e fulminante. A sala nunca fora tão vazia e tão silenciosa.
Colocou-se de pé e caminhou em direção ao banheiro, trôpega, enquanto a tristeza dava lugar à raiva. A raiva era de si mesma, por esperar tanto dos outros e tão pouco de si. Com o punho cerrado e o rosto lavado das lágrimas que vertera, estilhaçou o espelho ao longo do corredor. Gritou. Gritou para dentro, sentindo o peito implodir. Com as costas contra a parede, escorregou até o chão, onde acalentou no colo os restos de coração que pendiam do peito aberto.
Estava morta.

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