Ainda perdido pelo mundo, o cavaleiro continuava a busca por sua alma. Precisava encontrá-la para ter de volta o coração.
Lembrou de Helena. Sentia, de alguma forma, que ela havia pulado e fugido do claustro da torre fria. Esperava que ela não tivesse atravessado a linha que separava o paraíso do inferno, que ela estivesse na segurança da floresta verde. Um frio percorreu a espinha quando imaginou que a serpente que ela carregava na alma tivesse sido revelada. Tal pensamento inundou de horror o peito vazio do cavaleiro, que, num ímpeto, resolveu voltar.
"Helena precisa de mim", pensou.
Irrompeu florestas e aldeias que já havia cruzado num galope tão veloz quanto seus pensamentos, temendo que o pior tivesse acontecido. Precisava ajudar Helena.
Dias e noites passaram até que pudesse estar de volta à pequena aldeia aos arredores do castelo. Só havia uma pessoa que podia ajudá-lo a entrar no paraíso. Essa pessoa era Virgo, o fiel e corajoso rapazote que havia cuidado de seu cavalo meses antes, a quem dera sua armadura.
Ao chegar, notou que parte da aldeia havia sido destruída. Deixou o cavalo e saiu à procura do rapaz, temendo não encontrá-lo.
Os aldeões não tinham mais a mesma vivacidade no olhar. Andou entre eles e pôde avistar Virgo sentado sob uma imensa árvore.
Aproximou-se e percebeu que o rapaz tinha os olhos vidrados em algum ponto distante dali. Sentou-se ao lado do rapaz, em silêncio. Sem desviar os olhos do horizonte, Virgo disse:
- Sabia que voltaria.
- O que houve?
- Isabeau. A maldita veio do inferno procurar por você. Quis que dissesse seu paradeiro, mas mesmo que soubesse, não teria dito a ela. Furiosa, queimou parte da aldeia.
- Maldita...
- Salvei os pequenos que ficaram presos dentro da casa de Mitgaard. O velho morreu. As chamas queimaram meus olhos, caro amigo. Nunca mais verei o sol...
- Sua coragem fez de você um homem. Já não é mais um rapaz.
Ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Voltei porque preciso de sua ajuda. Agora mais do que nunca, preciso encontrar Helena.
- Eu fiz o que pediu. Mandei um corvo à janela de Helena entregar o bilhete que confiou a mim. Helena pulou.
- Obrigado. Sabia que não falharia. Mas agora preciso ir ao encontro dela.
A última frase fez Virgo desviar os olhos do horizonte e virar o rosto na direção do cavaleiro, mesmo não podendo vê-lo.
Levantaram-se e caminharam juntos em direção à floresta secreta, o lugar onde só os mortos podiam entrar.
O cavaleiro desembainhou novamente a espada e entregou ao rapaz.
- Não hesite.
Disse isso encostando a espada no peito, enquanto Virgo a empunhava.
- Não posso...
- Não posso fazer isso sozinho. Se o fizer, irei direto ao inferno, mas tenho esperanças de que Helena ainda esteja no paraíso. Faça isso por todos nós. Por você, por mim, por Helena, por Mitgaard e por todos os que morreram pelas mãos da maldita bruxa.
E com um grito gutural, Virgo fez a lâmina atravessar o peito do amigo, fazendo o corpo tombar bem a sua frente.
Com lágrimas nos olhos e soluços que não podia conter, o rapaz deixou-se cair ao lado do corpo sem vida do cavaleiro, pedindo aos deuses que o perdoassem pelo que acabara de fazer.
********************************************************************************
Abriu os olhos e sentiu a relva fria com as mãos. O lugar era diferente. Virgo não estava mais lá. Eram outras árvores ao seu redor e o vento soprava com uma força que não conhecia, sussurando palavras que não conseguia entender.
Olhou o peito e não havia cicatriz alguma ali. O corpo doía e a cabeça pesava. Não conseguia ficar de pé.
Mas o sibilar do vento morno contava-lhe histórias, falava sobre Nina e sua passagem por lá. Achou que estivesse louco, que houvesse perdido totalmente o juízo. Procurava Helena, e não Nina. E o vento contou-lhe que Helena havia morrido na queda, e que no paraíso, passara a chamar-se Nina. E que havia cruzado os limites do inferno.
Chorou. Pela primeira vez sentiu lágrimas queimarem seu rosto. Havia perdido Helena.
- Aqui no paraíso Nina é minha amante, disse o vento. Mas não posso resgatá-la do inferno. Ela foi por vontade própria, movida pela curiosidade das novas descobertas, movida pela serpente que já crescia dentro dela.
O cavaleiro enfureceu-se e amaldiçoou o dia que partiu da aldeia. As lágrimas corriam tão abundantemente por sua face, que mal podia enxergar o que estava ao seu redor.
- Só há uma forma de salvá-la. Deixe minha alma tomar teu corpo, e seremos um só. Vá ao inferno e resgate Nina. Provavelmente encontrará também tua alma por lá.
Baixou a cabeça e lembrou do pacto que havia feito com Isabeau anos antes. No leito de morte de seu pai, a maldita bruxa surgiu e fez uma proposta: pouparia a vida de seu pai se entregasse a ela sua alma. Ele aceitou. Não sabia que Isabeau, a colecionadora de almas, não cumpriria sua parte no acordo...
Seus pensamentos foram interrompidos novamente pelo sussurro do vento:
- Aqui teu nome é Lothar.
E assim o cavaleiro, então Lothar, abriu os braços e deixou a alma do vento tomar seu corpo, na comunhão que traria de volta Helena, que resgataria de vez sua alma...
Lembrou de Helena. Sentia, de alguma forma, que ela havia pulado e fugido do claustro da torre fria. Esperava que ela não tivesse atravessado a linha que separava o paraíso do inferno, que ela estivesse na segurança da floresta verde. Um frio percorreu a espinha quando imaginou que a serpente que ela carregava na alma tivesse sido revelada. Tal pensamento inundou de horror o peito vazio do cavaleiro, que, num ímpeto, resolveu voltar.
"Helena precisa de mim", pensou.
Irrompeu florestas e aldeias que já havia cruzado num galope tão veloz quanto seus pensamentos, temendo que o pior tivesse acontecido. Precisava ajudar Helena.
Dias e noites passaram até que pudesse estar de volta à pequena aldeia aos arredores do castelo. Só havia uma pessoa que podia ajudá-lo a entrar no paraíso. Essa pessoa era Virgo, o fiel e corajoso rapazote que havia cuidado de seu cavalo meses antes, a quem dera sua armadura.
Ao chegar, notou que parte da aldeia havia sido destruída. Deixou o cavalo e saiu à procura do rapaz, temendo não encontrá-lo.
Os aldeões não tinham mais a mesma vivacidade no olhar. Andou entre eles e pôde avistar Virgo sentado sob uma imensa árvore.
Aproximou-se e percebeu que o rapaz tinha os olhos vidrados em algum ponto distante dali. Sentou-se ao lado do rapaz, em silêncio. Sem desviar os olhos do horizonte, Virgo disse:
- Sabia que voltaria.
- O que houve?
- Isabeau. A maldita veio do inferno procurar por você. Quis que dissesse seu paradeiro, mas mesmo que soubesse, não teria dito a ela. Furiosa, queimou parte da aldeia.
- Maldita...
- Salvei os pequenos que ficaram presos dentro da casa de Mitgaard. O velho morreu. As chamas queimaram meus olhos, caro amigo. Nunca mais verei o sol...
- Sua coragem fez de você um homem. Já não é mais um rapaz.
Ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Voltei porque preciso de sua ajuda. Agora mais do que nunca, preciso encontrar Helena.
- Eu fiz o que pediu. Mandei um corvo à janela de Helena entregar o bilhete que confiou a mim. Helena pulou.
- Obrigado. Sabia que não falharia. Mas agora preciso ir ao encontro dela.
A última frase fez Virgo desviar os olhos do horizonte e virar o rosto na direção do cavaleiro, mesmo não podendo vê-lo.
Levantaram-se e caminharam juntos em direção à floresta secreta, o lugar onde só os mortos podiam entrar.
O cavaleiro desembainhou novamente a espada e entregou ao rapaz.
- Não hesite.
Disse isso encostando a espada no peito, enquanto Virgo a empunhava.
- Não posso...
- Não posso fazer isso sozinho. Se o fizer, irei direto ao inferno, mas tenho esperanças de que Helena ainda esteja no paraíso. Faça isso por todos nós. Por você, por mim, por Helena, por Mitgaard e por todos os que morreram pelas mãos da maldita bruxa.
E com um grito gutural, Virgo fez a lâmina atravessar o peito do amigo, fazendo o corpo tombar bem a sua frente.
Com lágrimas nos olhos e soluços que não podia conter, o rapaz deixou-se cair ao lado do corpo sem vida do cavaleiro, pedindo aos deuses que o perdoassem pelo que acabara de fazer.
********************************************************************************
Abriu os olhos e sentiu a relva fria com as mãos. O lugar era diferente. Virgo não estava mais lá. Eram outras árvores ao seu redor e o vento soprava com uma força que não conhecia, sussurando palavras que não conseguia entender.
Olhou o peito e não havia cicatriz alguma ali. O corpo doía e a cabeça pesava. Não conseguia ficar de pé.
Mas o sibilar do vento morno contava-lhe histórias, falava sobre Nina e sua passagem por lá. Achou que estivesse louco, que houvesse perdido totalmente o juízo. Procurava Helena, e não Nina. E o vento contou-lhe que Helena havia morrido na queda, e que no paraíso, passara a chamar-se Nina. E que havia cruzado os limites do inferno.
Chorou. Pela primeira vez sentiu lágrimas queimarem seu rosto. Havia perdido Helena.
- Aqui no paraíso Nina é minha amante, disse o vento. Mas não posso resgatá-la do inferno. Ela foi por vontade própria, movida pela curiosidade das novas descobertas, movida pela serpente que já crescia dentro dela.
O cavaleiro enfureceu-se e amaldiçoou o dia que partiu da aldeia. As lágrimas corriam tão abundantemente por sua face, que mal podia enxergar o que estava ao seu redor.
- Só há uma forma de salvá-la. Deixe minha alma tomar teu corpo, e seremos um só. Vá ao inferno e resgate Nina. Provavelmente encontrará também tua alma por lá.
Baixou a cabeça e lembrou do pacto que havia feito com Isabeau anos antes. No leito de morte de seu pai, a maldita bruxa surgiu e fez uma proposta: pouparia a vida de seu pai se entregasse a ela sua alma. Ele aceitou. Não sabia que Isabeau, a colecionadora de almas, não cumpriria sua parte no acordo...
Seus pensamentos foram interrompidos novamente pelo sussurro do vento:
- Aqui teu nome é Lothar.
E assim o cavaleiro, então Lothar, abriu os braços e deixou a alma do vento tomar seu corpo, na comunhão que traria de volta Helena, que resgataria de vez sua alma...
5 comentários:
Sensacional. Melhor, impossível. Isabeau, a colecionadora de almas, adorei isso. E avante Lothar, será que Nina vai te querer de volta?
A maior pergunta: será que o vento deixará Nina partir com Lothar depois que ele recuperar sua alma?
Tá vendo? Você me dá idéias. Isso vai acabar deixando de ser um conto para virar um romance...
Isso é muito maior do que podemos imaginar. É fantástico, sensual, inocente, profano, misterioso, épico, mitológico, lírico... É Nina.
Uia! O.o
Às vezes Clarice...
Às vezes Nelson...
Às vezes Tolkien...
Há mais facetas em Nina do que caberia em Isabeau ou Helena ;)
Os nomes são o máximo... Eu gosto mesmo é dos nomes...
:p
Postar um comentário