EGO

"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes
que aqui caleidoscopicamente registro."

(Clarice Lispector)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

sobre o cansaço...



Às vezes eu me canso. Simplesmente canso.
Canso dos ideais, da política, do conhecimento, das palavras, da calmaria, da turbulência, da paz, da falta, do excesso, da guerra, do cotidiano, da amargura, do domínio, dos sorrisos forçados. Eu me canso dos protocolos.
Por isso carrego apenas minhas convicções numa trouxa de retalhos e sigo o rumo do mundo, andando por vezes à margem, por vezes ao centro da estrada que leva ao meu lugar.


sobre a escrita...

Quando perguntaram-me o que eu escrevia, respondi:
- Nada. Palavras apenas. Um bocado de fonemas que fazem sentido só para mim, talvez. Deixo a poesia para os poetas e os músicos, pois deles há de se ler e ouvir algo muito mais harmonioso do que esse monte de tolices sem forma que cá deposito.

sábado, 18 de outubro de 2008

sentidos...



Quartos escuros, mesas vazias, tristes monólogos. Sorrisos mecânicos e humores ácidos. Os cinzeiros sujos e as meias garrafas de uísque denunciam a solidão daqueles que observam, destacados da grande multidão.


Comentários lacônicos balbuciados entre dentes mal são ouvidos. E os olhos julgam o desconhecido, pela necessidade racional da classificação do mistério: não contentam-se em apenas ver. Talvez
essa falta de tato justifique a falta de tato em relação ao mundo. A idéia que se compreende aquilo que se vê é falha, até mesmo estúpida. Olhos são como gatos, traiçoeiros, capazes de ludibriar seu próprio dono, ou quem quer que ouse desvendá-los. Eles mesmos possuem seus próprios mistérios, alguns irreveláveis. Mas tratam de desvelar os véus alheios, com a tola pretensão de poder entender, conhecer, julgar.

Com os olhos eu vejo; com todo o resto, enxergo. E é quando fecho os olhos que consigo realmente sentir o mundo ao redor. Só enxergo além do óbvio quando estou absorta na cegueira, quando a claridade dá espaço às trevas, quando a alma voa.

Quando estou cega sou toda sentidos.



domingo, 12 de outubro de 2008

sobre o lugar certo...


Há todo o tipo de pessoas inconvenientes: há os que o são sem saber, há os que sabem e não ligam e ainda há aqueles que forçam a barra e tornam-se ridículos. Mas nada pior (ou mais ridículo) do que uma mulher inconveniente. Um homem inconveniente é algo constrangedor, mas uma mulher inconveniente consegue superar os mais altos níveis de embaraço imagináveis.
Mendigar atenção ou não saber onde se colocar é algo um tanto infantil, pequeno, diria até "amador." Para certos jogos, não há regras. Aliás, regras foram feitas para serem quebradas, não é verdade? Mas até para a transgressão é necessário haver honra, etiqueta, e, vamos lá, um pouco de charme.
Posso dizer que sou, por assim dizer, "a good gambler" (espero não precisar traduzir). Apostei todas as fichas na primeira rodada, onde minhas chances eram mínimas. Mas joguei no lugar certo, apostei a vida no que eu mais desejava. E os deuses, em conluio com meus próprios desejos e anseios, concederam-me a sorte grande.
Sou rica. E não ofereço migalhas de minha mesa por achar que ninguém merece migalhas. Mas por todo canto há pobres de espírito que contentam-se com raspas e restos, mendigando o que não podem (mais) ter.
Percebe-se, então, que o grande problema é não saber o seu próprio lugar.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

sobre pactos de entrega...


pleasure and pain por clern.
"sometimes I'm tempted, sometimes I am
I would be lying if I said I didn't miss that giant man
oh he was a line between pleasure and pain
but me and the feet have some years to reclaim"

Hoje há mais cores no mundo. Há outros sabores, outros desejos (que só podem ser compartilhados com uma única pessoa). E "quando desejos outros falam", o que se pode fazer é fechar os olhos e saltar, entregando o corpo inteiro, deixando que ele vá em queda livre, absolutamente entregue ao vento.
E o vento sopra forte contra o meu corpo, balançando-me com uma intensidade variável, de violenta a doce, de leve a profunda. E a voz que sibila em meus ouvidos é suave e grave, e me enche de sensações extremas. As palavras soam como pequenos fragmentos de felicidade que tomam forma e são registradas pela oralidade desses momentos íntimos, onde sangue, gozo e saliva são doces manifestações de nós mesmos. E a queda não tem fim, o abismo não tem fundo, o amor não tem limites ou cercas. Convenções, protocolos, tabus, medos, ficaram todos para trás, antes de nós chegarmos. Agora há a entrega e os momentos vividos. Há os momentos a viver. Há momentos doces e também os amargos. Há a dor e o prazer, o flagelo e o orgasmo, o meio e o fim. Há você e eu. E há os pactos de fidelidade, de sangue, de entrega: há os pactos de amor.
E além de tudo, há a saudade e a presença. Mas é essa saudade que reforça os pactos e as palavras.
Minha alma está em êxtase.